O poder da China chegou aos bancos

Demorou, mas as finanças internacionais também sentiram o poder de Pequim. Três instituições de crédito com pelo menos US$ 190 bilhões estão ganhando forma sob a liderança da China. Também neste ano, o yuan, a moeda chinesa, poderá ganhar a bênção do FMI como uma moeda oficial de reserva, um reconhecimento ao seu uso crescente no comercio e finanças.

Sete décadas após o fim da Segunda Guerra Mundial, a arquitetura econômica internacional criada pelos EUA enfrenta seu maior abalo, com a China estabelecendo novos canais de influência para atingir seus objetivos, como mostrou material distribuída pela Bloomberg, publicada no Valor Econômico, de 26/03, pg A13.

A influência da China vem se expandindo há décadas. O rápido crescimento permitiu que o país abocanhasse uma fatia cada vez maior dos recursos mundiais, suas exportações penetraram os mercados globais e seus enormes ativos financeiros lhe deram poder para realizar grandes investimentos e aquisições individuais. Agora, a criação de instituições internacionais de crédito está catapultando essa influência econômica para mais perto das arenas política e diplomática, num momento em que aliados dos EUA desafiam o país ao apoiar a iniciativa da China.

“Este é o início de uma importância maior da China na cena global”, disse Jim O’Neill, ex-economista-chefe do Goldman Sachs no Reino Unido, que cunhou o termo Bric em 2001 para ressaltar o poder econômico crescente de Brasil, Rússia, Índia e China.

A visão do presidente chinês, Xi Jinping, de alcançar o mesmo status de grande potência dos EUA recebeu grande impulso neste mês, quando Reino Unido, Alemanha, França e Itália aderiram ao Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB, na sigla em inglês). O banco terá capital autorizado de US$ 100 bilhões e fundo inicial de cerca de US$ 50 bilhões.

O Canadá está pensando em entrar, o que deixaria os EUA e o Japão como os únicos reticentes do Grupo dos Sete, porque os dois países questionam os padrões de governança e ambientais da instituição. A Austrália também aprovou negociar sua adesão.

“A ascensão econômica da China está agindo como um enorme fator aglutinador, forçando a arquitetura existente a se adaptar”, diz James Laurenceson, vice-diretor do Instituto de Relações Austrália-China de Sydney. “O AIIB vem mostrando para os EUA que a maioria da comunidade internacional apoia as aspirações da China de assumir uma maior liderança e responsabilidade, pelo menos nas iniciativas econômicas.”

Takehiko Nakao, presidente do Banco de Desenvolvimento da Ásia (BDA), disse que tentará cooperar com a nova instituição financeira chinesa. “Seria impossível ser hostil. Muitos países precisam de recursos, e é natural que cooperemos. A sociedade internacional, a região e o Japão vão se beneficiar”, disse Nakao em Tóquio.

As novas instituições financiadas por Pequim – o banco de infraestrutura, um banco de desenvolvimento de US$ 50 bilhões em conjunto com os Brics e um fundo de US$ 40 bilhões para reativar a antiga Rota da Seda – estão sendo criadas após anos de tentativas frustradas da China e de outros emergentes de reformular as instituições financeiras internacionais existentes para que reflitam o novo formato da economia global.

Em relação ao novo banco de infraestrutura, o secretário do Tesouro dos EUA, Jacob J. Lew, disse a parlamentares americanos, na semana passada, que a preocupação do governo é que a instituição não respeite os mesmos padrões de outras instituições financeiras internacionais.

Parte do impulso de desenvolvimento internacional da China tem origem em seus próprios interesses econômicos. Com a maior parte dos quase US$ 4 trilhões de reservas internacionais do país rendendo pouco, “eles enxergam isso como uma oportunidade de melhorar sua taxa de retorno em relação aos títulos do Tesouro americano”, disse Nicholas Lardy, pesquisador sênior do Peterson Institute for International Economics.

Fazer as instituições funcionarem de forma bem-sucedida será mais difícil do que criá-las, disse George Magnus, assessor econômico do UBS Group, em Londres. Auditorias recentes de vários empreendimentos chineses no exterior “exibiram um catálogo de distribuição ruim, desperdício, má administração e padrões comerciais e retornos frágeis”, disse ele.

Lardy, do Instituto Peterson, disse que essas temores são exageradas e que a China provavelmente praticará padrões elevados. “Eles querem ter sucesso nisso”, disse. “Eles não querem jogar US 50 bilhões de suas reservas pelo ralo financiando projetos com um alto grau de corrupção”.

Andrew Polk, economista do Conference Board em Pequim, diz que o esforço da China para estabelecer essas novas instituições é motivado por seu desejo de “alimentar os mercados” para os quais ela pode exportar seu excesso de capacidade industrial.

A China quer investir US$ 40 bilhões para revitalizar a secular Rota da Seda, caminho comercial entre Ásia e Europa, uma ideia lançada por Xi em 2013, num pronunciamento feito no vizinho Cazaquistão. Alguns analistas comparam o projeto ao Plano Marshall – o esforço americano pós-guerra para ajudar a Europa a se reerguer e que estabeleceu os EUA como potência econômica mundial.

Anunciado em julho, o novo Banco de Desenvolvimento dos Brics, que terá sede em Xangai e um capital inicial de US$ 50 bilhões, é o terceiro elemento da arquitetura econômica internacional centrada na China. Aos quatro países originais dos Brics foi acrescentada a África do Sul.

A influência crescente da segunda maior economia do mundo se estendeu às instituições existentes. O FMI vai realizar no fim de 2015 sua próxima análise quinquenal da cesta de moedas com a qual seus membros podem contar para suas reservas oficiais. A diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, disse em Pequim esta semana que o yuan “claramente pertence” a essa cesta e que o FMI vai trabalhar com o China com essa finalidade.

Nos últimos anos, a China conseguiu vários cargos de alto escalão no Banco Mundial e no FMI. No Banco Mundial, a China quase dobrou em 2014 a sua contribuição para um fundo para as nações mais pobres, para dar apoio a um empréstimo de US$ 1 bilhão a juros baixos para essa finalidade.

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