The Economist; Como quase diz o provérbio chinês, uma jornada de mil quilômetros começa com um simples relatório. Pelo menos é assim que se faz grande parte da política da União Europeia (UE). No dia 24 de janeiro, a Comissão Europeia publicou uma série de documentos e propostas sobre como monitorar e restringir as exportações de tecnologia sensível e os investimentos nesses setores no exterior (leia-se: China). A comissão também apresentou legislação sobre investimentos de empresas estrangeiras na Europa.
Quem torce por mudanças radicais vai ficar desapontado. O pacote é muito menos ambicioso do que sugeria um esboço de estratégia publicado em junho do ano passado. E não faz jus à insistência dos Estados Unidos, nem à declaração conjunta do presidente Joe Biden com Ursula von der Leyen, a presidente da comissão, em março de 2023, que previa que a UE e os Estados Unidos trabalhariam juntos. Talvez isso se deva ao fato de que fazer as coisas de forma direta e dispendiosa, ao estilo americano, pode não ser o ideal para a UE. Talvez fosse mais realista se a Europa imitasse a abordagem cuidadosamente pensada do Japão.
A primeira etapa é compreender quais são os verdadeiros interesses estratégicos da Europa. Durante um tempo, a UE foi simplesmente arrastada pelos esforços americanos para enfrentar a China. Os Países Baixos tiveram a experiência mais vigorosa, depois de os Estados Unidos terem apoiado fortemente os Países Baixos para proibir as exportações de máquinas litográficas avançadas da ASML, uma empresa de tecnologia holandesa. Todos os países da UE agora estão analisando suas próprias vulnerabilidades. É um bom começo.
Mas os países da UE logo descobriram como isso é difícil. Muitos estados-membros são simplesmente pequenos demais para terem as capacidades analíticas necessárias. “No caso das sanções russas, votamos com os alemães, na esperança de que eles tivessem feito a análise”, afirma o representante de um estado-membro de médio porte. Ainda estão em curso as várias avaliações de risco que a comissão recomendou que os estados-membros realizassem em outubro.
Em fevereiro, a comissão planeja apresentar um relatório sobre os riscos de segurança para as quatro indústrias tecnológicas mais importantes: semicondutores avançados, inteligência artificial, computação quântica e biotecnologia. Depois virão relatórios sobre outros riscos – a resiliência das cadeias de abastecimento, a segurança das infraestruturas fundamentais e a exposição à coerção econômica – e sobre outros setores, como as tecnologias energéticas e os materiais avançados.
Quando tudo isso estiver pronto, a etapa seguinte será encontrar um denominador comum entre 27 países que têm pontos de vista muito diferentes. A Hungria autocrática está cada vez mais ao lado da Rússia e da China. Os maiores estados-membros têm pouca confiança na comissão. Em contraste, a força da segurança econômica do Japão se encontra na unidade de propósitos, argumenta Mathieu Duchâtel, do Institut Montaigne, um think tank de Paris.
Para encontrar uma unidade mais ao estilo do Japão, a comissão quer transferir a questão da segurança econômica para um nível político mais elevado. Tomemos como exemplo seu novo relatório sobre controles de exportação. A comissão planeja criar um grupo de coordenação política de alto nível para chegar a um acordo sobre as próximas etapas. Em 2021, o Japão deu um passo a mais, elevando os controles de exportação para o nível ministerial ao criar um ministro para a segurança econômica.
“O que precisamos de verdade na Europa é de um Barnier para segurança econômica”, afirma Tobias Gehrke, do European Council on Foreign Relations, um think tank de Bruxelas. Ele se refere a Michel Barnier, o político francês que negociou o Brexit em nome dos estados-membros da UE. Mas, até agora, os membros não parecem dispostos a partilhar tanta soberania.
Isso acontece, pelo menos em parte, porque esse trabalho exige uma tonelada de dados econômicos sensíveis que os países não estão dispostos a compartilhar. As instituições da UE têm poucos dados, e os ministérios empresariais nacionais estão tão habituados a competir entre si quanto a cooperar, dizem os especialistas. No Japão, ao contrário, os fluxos de informação entre as empresas e o governo são constantes, tanto formal como informalmente. No ministério do comércio e da indústria do Japão, os funcionários entendem de fato as empresas com as quais trabalham, dizem os observadores.
Não se sabe ao certo até onde irá a mistura entre o estado e as empresas na Europa. O Japão está ativamente adquirindo participações em empresas estrategicamente importantes e as retirando das bolsas; um exemplo é a JSR, uma empresa que fornece materiais para produtores de semicondutores. Essa abordagem continuaria a ser o último recurso na UE.
Um exemplo clarividente
O Japão também identificou bens que são essenciais para a sobrevivência de seu povo, como suprimentos médicos, e paga a empresas que estão dispostas a diversificar suas importações. Uma parte fundamental de sua estratégia, até agora pouco desenvolvida na Europa, é se tornar indispensável para o mundo, o que requer uma política industrial limitada e dirigida a alguns setores-chave de alta tecnologia, argumentam os analistas.
A Europa também precisa avançar mais rápido na diversificação por meio de acordos comerciais. O Japão faz parte de uma série de acordos de livre-comércio recentes, que cobrem mais de 80% de suas transações comerciais. As exportações do país para a China não cresceram tanto quanto, por exemplo, as da Alemanha. A UE fez alguns progressos nas negociações comerciais, mas seu acordo com o Mercosul na América do Sul ainda não foi ratificado e os grandes acordos com a Índia e a Indonésia estão estagnados.
Talvez a comparação com o Japão seja injusta. “Tivemos experiências com a coerção econômica no passado e conhecemos as dificuldades”, diz Kazuto Suzuki, do Instituto de Geoeconomia de Tóquio. “O Japão praticava a segurança econômica antes de ela virar uma expressão da moda”. A Europa precisa correr atrás, um relatório de cada vez.
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