Após quase uma década de crise, de pacotes de socorro financeiro e de reformas nos Estados Unidos e na União Europeia, o sistema financeiro – tanto nesses países quanto em âmbito mundial – está extraordinariamente semelhante ao que tínhamos em 2006. Muitas reformas financeiras foram promovidas desde 2010, mas os efeitos gerais foram limitados.
Alguns grandes bancos enfrentaram dificuldades, mas outros assumiram o seu lugar. Tanto antes da crise financeira mundial de 2008 quanto atualmente, pouco mais de uma dezena de grandes bancos domina a paisagem financeira mundial. Mesmo assim, os alicerces do setor financeiro estão mudando e grandes bancos poderão em breve se tornar uma coisa do passado, como mostrou artigo de Simon Johnson, no Valor de 03/03.
Reservadamente, poucas autoridades manifestam satisfação com o avanço da reforma financeira. Em público, a maioria delas é mais educada, mas o presidente do Fed regional de Minneapolis (Fed, o BC dos EUA), Neel Kashkari, atraiu as atenções recentemente, ao defender uma reavaliação do grau de progresso alcançado no enfrentamento do problema das instituições financeiras consideradas “grandes demais para falir”.
Kashkari trabalhou para Henry M. Paulson no Departamento do Tesouro dos EUA, a partir de 2006. Ele não apenas assistiu ao desenvolvimento da crise financeira; em outubro de 2008 tornou-se o secretário assistente responsável pelo Programa de Ajuda a Ativos Problemáticos (Tarp, nas iniciais em inglês), com o objetivo de estabilizar o sistema financeiro. Ele é um republicano que trabalhou tanto no Goldman Sachs (um banco grande) quanto na Pimco (uma empresa grande de gestão de ativos). Assim, as pessoas prestam atenção quando ele diz: “Acho que os maiores bancos ainda são grandes demais para falir e continuam a representar um risco significativo, permanente, para a nossa economia”.
E Kashkari está correto em sua avaliação das reformas financeiras de Dodd-Frank de 2010. Essa legislação e as regulamentações decorrentes moveram algumas questões na direção certa. “Mas, em vista dos gigantescos custos associados a mais uma possível crise financeira e da falta de certeza sobre a eficácia desses novos instrumentos na administração de uma crise, acho que precisamos estudar seriamente alternativas mais arrojadas, transformacionais”, argumenta ele.
Kashkari propõe agora a abordagem precisamente correta: realizar seminários públicos e amplas discussões para avaliar se os grandes bancos deveriam ser cindidos, se eles (e outras instituições financeiras) deveriam ser obrigados a se financiar com mais capitalização e menos endividamento, ou se deveria haver um imposto sobre títulos para desestimular a alavancagem excessiva. O primeiro seminário será no dia 4 de abril (eu serei um dos palestrantes).
Kashkari é um dos doze presidentes de diretorias regionais do Fed. E faz parte do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, nas iniciais em inglês), que fixa a política monetária -,mas não é membro do Conselho de Diretores do Sistema Federal de Reserva, que supervisiona a regulamentação bancária. No entanto, sua defesa de uma avaliação do problema dos bancos grandes demais para falir terá um impacto de peso, por três motivos.
Primeiro, as opiniões que ele manifesta são totalmente sensatas e tradicionais, baseadas em experiência profunda (a dele e a de outros) com esta e outras crises financeiras. De uma posição de autoridade, Kashkari dá um recado que muitas outras pessoas sensatas vêm tentando transmitir há quase uma década.
Segundo, Kashkari articulou – na devida linguagem de banco central – exatamente o mesmo ponto de vista que os demais pré-candidatos presidenciais democratas estão apresentando ao público eleitor. Hillary Clinton tem um plano detalhado e criterioso de reforma financeira, com ênfase em taxar a alavancagem e elevar as exigências de capitalização. Bernie Sanders preferiria cindir os bancos. Mas o objetivo é o mesmo; e, como destaca Kashkari, qualquer um desses instrumentos pode potencialmente nos conduzir a uma situação melhor.
Quando republicanos e democratas sensatos começam a convergir em política de governo, cresce a probabilidade de obtermos uma mudança substancial.
Terceiro, o momento escolhido por Kashkari coincide com a chegada da nova tecnologia “blockchain” [cadeia de blocos], que torna possível organizar transações financeiras de uma forma mais descentralizada. Várias versões dessa tecnologia já estão disponíveis ou estão sendo desenvolvidas no momento – e existe uma perspectiva muito real de que ela reduza os custos das transações em boa parte do setor financeiro.
Ainda não sabemos que versão vai prevalecer e há discussões acaloradas sobre como garantir que os novos padrões e sistemas aumentem a estabilidade, em vez de produzir desagradáveis consequências inesperadas (como ocorreu com algumas inovações financeiras anteriores).
E, o que é mais importante, a tecnologia blockchain tem o potencial de reduzir significativamente, ou mesmo de eliminar, o valor de ser um intermediário credenciado, como é um grande banco. Mas os próprios grandes bancos estão injetando dinheiro nessa tecnologia – presumivelmente na esperança de salvar pelo menos alguma parte de sua área de atuação, ao limitar o grau máximo de descentralização.
Kashkari abrirá o caminho para repensar – e, esperamos, liquidar – o problema do “grande demais para falir” em grandes bancos tradicionais. Em um mundo de blockchain, ele e seus colegas provavelmente trabalharão arduamente para evitar o ressurgimento de qualquer variante do “grande demais para falir”