“Podemos estar fazendo história aqui hoje”, disse o apresentador John Donvan antes de mostrar à plateia que lotava um pequeno auditório no centro de convenções Moscone, em San Francisco, as estrelas da noite: Harish Natarajan, campeão mundial de debates, e o Project Debater, uma máquina dotada de inteligência artificial desenvolvida pela IBM para debater temas complexos com seres humanos. Na pauta, uma discussão sobre a concessão de subsídios públicos para ampliar o acesso de alunos à pré-escola.
E, ontem, no mais recente capítulo da medição de forças entre homem e máquina, esta levou a pior. Advogando contra a concessão dos subsídios, Natarajan foi capaz de convencer mais gente a mudar de opinião com seus argumentos, do que a máquina.
Os contrários ao subsídio eram 13% do público no início do debate, que também foi acompanhado por internautas. Este percentual subiu para 30% no final da discussão. O grupo que era a favor dos subsídios, 79% das pessoas no início da discussão, encolheu para 62% ao final. A fatia de neutros, de 8%, não mudou.
A máquina, no entanto, foi reconhecida pela audiência como tendo sido capaz de trazer mais informações que ajudaram no entendimento do assunto do que seu adversário.
Com uma voz feminina e defendendo a concessão de subsídios, a máquina usou como principal argumento o seguinte: não se trata apenas de uma questão financeira, mas há também os fatores político e moral para os seres humanos. Ela impressionou a plateia ao formular argumentos complexos para justificar sua posição e citou diversos estudos que relacionam o acesso à pré-escola à queda na violência e na pobreza.
Em sua fala de apresentação, a máquina – na verdade, um sofware que roda na nuvem computacional – chegou até a sugerir o que poderia vir a ser uma linha de raciocínio de seu oponente: que os subsídios para a pré-escola tiram de outras áreas recursos que poderiam render maior impacto. O que de fato aconteceu. “Ela foi encantadora e humana”, avaliou Donvan.
Os competidores só ficaram sabendo do assunto que seria debatido 15 minutos antes do início da disputa e foi esse o tempo que tiveram para se preparar. O Project Debater não pôde fazer consultas a bases de dados na internet durante a disputa. Seu único subsídio foi um repertório de 10 bilhões de frases que seu sistema deveria julgar como combinar de forma a construir sua linha de raciocínio, depois de ouvir os pontos apresentados por Natarajan. O debate durou cerca de 40 minutos.
Para Noam Slonim, pesquisador do laboratório da IBM em Haifa (Israel) e um dos responsáveis pelo projeto, um aspecto que chamou a atenção foi o fato do software de inteligência artificial ter se mantido aderente ao tema proposto durante todo o debate. Segundo ele, em testes anteriores, a máquina mudou de assunto algumas vezes e não foi capaz de retornar ao tema original mesmo com intervenções do mediador.
O evento de ontem – acompanhado por uma sorridente Ginni Rometty, a CEO da IBM – mostrou a terceira grande disputa pública entre humanos e máquinas promovidas pela IBM nas últimas duas décadas. Na mais famosa, em 1997, o computador Deep Blue derrotou o então campeão mundial de xadrez, Garry Kasparov. Em 2011, o Watson venceu jogadores humanos no programa de perguntas e respostas Jeopardy.
A inteligência artificial é uma das tecnologias estratégicas para a IBM, junto com a computação em nuvem, a análise de dados e a segurança digital. Estes temas estão sendo abordados nesta semana no evento anual da empresa, o Think, em San Francisco.
Apresentado publicamente pela primeira vez em junho do ano passado, o Project Debater começou a tomar forma logo após partida de Jeopardy vencida pelo Watson. “Recebemos um e-mail perguntando qual poderia ser o próximo passo do desenvolvimento da inteligência artificial. Depois de conversar com um dos meus colegas, enviamos uma apresentação de uma página sugerindo a criação de um sistema que pudesse debater com humanos. O projeto foi aprovado um ano depois e uma equipe vem trabalhando dedicada a isso desde então”, disse Slonim.
Perguntado sobre quanto tempo seria necessário para que a tecnologia fosse capaz de derrotar um humano, ele disse que isso poderia vir a acontecer caso se optasse por fazer um investimento nesse sentido. Mas minimizou essa possibilidade. “Estamos no momento em que a questão é colocar humanos e máquinas para trabalharem juntos”, disse. Natarajan seguiu na mesma linha afirmando que a combinação de forças pode ter um resultado “poderoso” nas tomadas de decisão.