Nos EUA, campanha publicitária da Nike desperta forte reação

A Nike teve que lidar, ontem, com uma reação violenta à sua decisão de usar Colin Kaepernick como uma face de sua nova campanha publicitária. O jogador de futebol americano está no centro de uma polêmica devido à sua recusa em ficar em pé durante a execução do hino nacional dos Estados Unidos.

Consumidores zangados com a jogada da empresa de equipamentos esportivos postaram fotos suas queimando tênis, enquanto convocações para um boicote à Nike se espalhavam nas mídias sociais, como mostrou matéria do Financial Times, publicada no Valor de 05/09

A reação mostra o dilema que as empresas americanas enfrentam para divulgar suas marcas em momento no qual os consumidores esperam, cada vez mais, que elas tomem posição sobre questões sociais e políticas polêmicas.

Wall Street mostrou sua preocupação com as consequências financeiras para a Nike, fazendo as ações da empresa, que são parte do índice S&P 500, caírem 3%.

Vários especialistas em posicionamento de marcas, no entanto, disseram que qualquer reação terá curta duração e a que a campanha pode beneficiar a Nike no longo prazo.

“Eles são marqueteiros sofisticados e conhecem bem os seus clientes. Os consumidores vão recompensá-los”, disse Carreen Winters, chefe de estratégia da MWWPR, empresa de reputação de marcas e gestão de crises.

Kaepernick tornou-se uma das figuras mais polêmicas nos EUA depois de sua decisão de primeiro se sentar, e depois ficar de joelhos, durante a execução do hino antes dos jogos da NFL, a liga nacional de futebol americano.

A atitude inspirou centenas de jogadores a adotar gestos semelhantes como protesto contra a violência policial contra afro-americanos. Mas os protestos, de grande repercussão, provocaram a ira do presidente Donald Trump e foram criticados como impatrióticos por alguns fãs e donos de times.

“Parece ter sido um passo proposital (da Nike) para entrar no meio da controvérsia”, afirmou Carreen, cuja empresa estudou as opiniões de consumidores sobre companhias que tomam posição sobre questões sociais. A pesquisa mostrou que um terço dos consumidores gastaria mais dinheiro com empresas de cujas opiniões compartilham.

A Nike tem uma longa história de mostrar sinais de inovação em sua gestão de marca, como a campanha “Eu não sou um modelo de comportamento”, de 1993, com o jogador de basquete Charles Barkley. A Nike também apoiou estrelas do esporte envolvidas em controvérsias. Ela ficou com Tiger Woods quando o golfista vivia um escândalo em sua vida privada, e com Maria Sharapova depois que a tenista foi suspensa por doping.

 

Agora a empresa traz Kaepernick como estrela de sua campanha para marcar o 30o aniversário de seu slogan “Just do it” (“apenas faça”).

Uma imagem em close do atacante – que está processando donos de times por suposto conluio para mantê-lo fora dos campos – é sobreposta pelo texto “Acredite em algo. Mesmo que isso signifique sacrificar tudo”.

A empresa “obviamente sabia o que estava fazendo – sua intenção era inovar”, disse Chris Allieri, fundadora do grupo de relações públicas Mulberry and Astor. “Mas eles também quiseram fazer a coisa certa.”

A decisão seria um “momento de reavaliação para outras marcas”, afirmou Chris. “Pode inspirá-las a assumir riscos em sua propaganda e marketing.”

Reação mostra dilema das marcas em um momento no qual se espera tomada de posição das empresas sobre temas polêmicos

Estudos recentes mostram que os consumidores nos EUA e em outros países esperam cada vez mais que as empresas expressem suas opiniões sobre debates sociais e políticos, e em alguns casos confiam mais em empresas que em governos.

Esses estudos também mostram que os consumidores se tornaram quase tão polarizados quanto a marcas como eleitores no caso de partidos políticos.

Uma enquete recente da empresa de pesquisas Morning Consult revelou que os consumidores viam pouca polêmica em marcas que defendem direitos civis, reforma da Justiça criminal ou direitos LGBTQ.

No entanto, o direito de alguém se ajoelhar durante a execução do hino nacional em protesto foi uma das posições políticas menos populares que uma empresa poderia apoiar, junto com políticas mais restritivas para a prevenção do aborto.

A enquete também classificou a NFL como a sexta marca mais polêmica dos EUA, com forte apoio dos democratas, mas com imagem negativa para os republicanos, entre os quais é tão impopular como a CNN, um alvo frequente de Trump.

Outra pesquisa, feita em junho pela Quinnipiac, um centro de pesquisa de opinião pública, mostrou que 82% dos democratas consideravam que os jogadores da NFL tinham o direito de protestar, enquanto 81% dos republicanos achavam que não tinham.

Kaepernick jogou pelo time San Francisco 49ers por seis temporadas, mas não foi contratado por nenhum time desde que se tornou dono do próprio passe, em março de 2017. Ele acusa os donos da NFL de impedi-lo de conseguir um trabalho, como retaliação pelos protestos. Na semana passada, um juiz rejeitou o pedido da NFL para encerrar o processo.

A controvérsia ocorre ao mesmo tempo em que outra marca líder nos EUA, a Levi Strauss, se lança em outro debate nacional. Ontem, a companhia informou que estava tomando iniciativas para combater a violência armada, incluindo a criação de um fundo de US$ 1 milhão para grupos que lutam pelo fim dela.

Chip Bergh, diretor-presidente da Levi’s, disse que recebeu ameaças de morte depois de escrever uma carta aberta, em novembro de 2016, exortando os donos de armas a não levá-las às suas lojas. “Mas, como líderes empresariais com poder nas arenas pública e política, não podemos simplesmente ficar em silêncio quando se trata de questões que ameaçam a própria estrutura das comunidades em que vivemos e trabalhamos”, escreveu ele, na revista “Fortune”. “Embora assumir uma posição possa ser impopular para alguns, não fazer nada não é mais uma opção.”

https://www.valor.com.br/empresas/5805141/nos-eua-campanha-publicitaria-da-nike-desperta-forte-reacao#

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