No Enem, tema da redação foi mesmo “novidade”?

A mídia apenas registrou o fato: o que mais foi notícia no Enem deste final de semana foi o tema da redação. O assunto escolhido para os alunos escreverem foi uma coletânea de informações sobre imigrantes do Haiti que chegam ao Brasil pelo Acre, além dos movimentos de bolivianos na mesma direção. O texto de apoio também fazia referência aos ciclos de imigração para o território brasileiro dos séculos 19 e 20.
A questão central é: este é realmente um “fator surpresa”? Tanto o Estadão, como a Folha exploraram o mesmo aspecto: entrevistaram estudantes que invariavelmente repetiram: “eu me preparei para temas como violência, política, Código Florestal e não esperava isso”. Um estudante foi bem sincero quando entrevistado pelo Estadão: “fiquei limitado ao que tinha na proposta”.
Este é exatamente o ponto que interessa. Analisando o tema do exame, o diretor pedagógico de um colégio tocou no essencial: “é um assunto atual e relevante, que obriga o aluno a refletir sobre questões sociais e políticas”. A professora de redação de um cursinho de vestibular fez análise idêntica: “pode ter sido escolha menos trivial, mas não foge à regra”.
Os analistas do Enem falam de que obrigação e de que regra? A rigor, o aluno espera uma correlação imediata entre o que leu em texto específico e o tema que deve escrever. Aqui mora o perigo. O estudante que reclamou do tema considerando-o “inesperado”, na verdade lera bastante sobre violência, questões sociais, política e até, provavelmente, sobre imigração, só que não vinculou uns com outros. É nesse vínculo que mora o preparo, ou o segredo para a boa redação.
A prova do Enem não é “fato isolado”. Diferentes processos de seleção, em diversas situações, especialmente para escolha de profissionais nas empresas, enveredaram para a mesma estrutura de “compreensão da realidade” pedida na prova do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem.
Normalmente o que é notícia em exames com muitos candidatos é a situação estranha, quase sempre perto do crime, seja pela tentativa de cola, seja por algum tipo de fraude. No Enem deste final de semana a novidade ficou por conta da percepção de que é preciso “ligar” diferentes aspectos, juntar diferentes visões do que se lê, para construir uma boa interpretação da realidade, no formato de uma redação.
A maior exigência na empresa, hoje, não é diferente do que é pedido na redação do Enem ou de qualquer vestibular: a múltipla interpretação da realidade, pensada em vários aspectos, em diferentes ângulos. O tema escolhido no Enem não é em absoluto novo, porque envolve tudo que o aluno precisava saber sobre a realidade contemporânea. Movimentos migratórios intensos representam o maior subproduto da atual crise econômica. A imprensa publicou, há duas semanas, com destaque, que 800 mil espanhóis, por exemplo, saíram do seu país, entre março de 2011 e setembro deste ano, em busca de trabalho. E saíram não só para os países da União Européia. O Brasil era só mais um dos países candidatos a receber estes novos exilados econômicos da crise.
A chegada dos haitianos no Acre estava apenas revestida de maior dramaticidade, pelas enormes carências destes imigrantes. Sem esquecer o drama do terremoto que vitimou aquele país há três anos. É um pouco diferente com os bolivianos, mas a essência do problema é a mesma. A redação do Enem só “juntou as coisas”, no bom resumo de um professor.

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