Niemeyer: “a vida é mais importante do que a arquitetura”

Não é muito conhecida a amizade de Niemeyer com Carlos Drummond de Andrade. Mas, o poeta ajuda bastante a captar o que talvez seja a maior herança da obra do arquiteto: a recuperação da luz natural na arquitetura brasileira. “Dias de adaptação à luz intensa que substitui as lâmpadas acesas durante o dia”… “das amplas vidraças descortina-se a massa cinzenta dos edifícios”…
Essas palavras de Drummond, em “O Observador no Escritório” falavam da mudança do ministro Gustavo Capanema para o então novo prédio do Ministério da Educação e Cultura, em abril de 1944, com a Segunda Guerra já mais definida e uma sensação de coisa nova no ar no mundo inteiro. Essas palavras foram retomadas por Gilberto Gil (é, ele mesmo) em artigo que o Estadão publicou hoje sobre a morte de Niemeyer. O que mais interessa é a percepção do poeta: a luz intensa, natural, provoca outra sensação espacial “que leva a ensaiar outros hábitos”.
Aqui está, talvez, a contribuição essencial de Niemeyer: a arquitetura levando aos novos hábitos. O que o poeta percebeu foi isso. O prédio novo do Ministério da Educação se transformou em marco definitivo da nova arquitetura. Foi o símbolo primeiro do padrão internacional de reformulação da arquitetura nacional. Drummond foi uma dos primeiros ocupantes dele. As palavras e sensações do poeta são especiais por esta razão: o do interlocutor-habitante da nova sensação espacial que Niemeyer provocava no Brasil ainda tão “antigo”.
Esse outro ponto merece muita atenção: a mistura do velho e do novo. Nenhum arquiteto pode desprezar essa mescla. O prédio do MEC é de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, baseado no traçado original de Le Corbusier. Alguns observadores já notaram que Corbusier tinha um lado na luta entre a memória e a inovação, escolhendo sempre só a segunda. Muita gente já notou também que Lúcio Costa, especialmente, não pensava nessa vitória absoluta do inovador sobre o antigo. O grupo dos jovens arquitetos, do qual Niemeyer foi o mais aguerrido e o mais longevo, aprenderam que era preciso “ter um pé em Ouro Preto – e um pé no futuro, que um dia se chamaria Brasília”.
Essa “mistura meio respeitosa” com o antigo teve papel essencial em tornar diferente a nova arquitetura brasileira das demais experiências de nova arquitetura pelo mundo. O que surgiu no Brasil, nos anos 40 do século passado, com Niemeyer a frente, não era cópia gratuita – e portanto algo colonizada – do novo que aparecera na concepção arquitetônica do espaço nos anos 20 na Europa e Estados Unidos. Era novo, mas estava muito arraigado a uma “lógica de Ouro Preto”, para pensar o moderno. Nesse aspecto o uso da luz natural talvez seja o ponto mais relevante. E nesse caso a visão do poeta foi eterna.
Talvez, por isto mesmo, Niemeyer considerava a vida mais importante do que a arquitetura. Com certeza usar a luz para “mudar os hábitos” faz a vida ficar diferente. Coisa de arquiteto, aquilo que Niemeyer foi sempre. Até o último minuto.

Comentários estão desabilitados para essa publicação