Falar qualquer coisa contra o Windows na Microsoft era crime grave. Mesmo depois que Bill Gates foi sucedido por Steve Ballmer, em 2000, essa continuou sendo uma lei inquestionável na sede da companhia, em Redmond, no Estado de Washington. Tudo que se fazia na Microsoft tinha por objetivo fortalecer o Windows, tornando ainda mais esmagador o domínio exercido pelo sistema. Muitas das melhores inovações criadas pela empresa foram abortadas por causa dessa “taxa estratégica”, como a política era conhecida internamente.
Hoje as regras em Redmond são diferentes. O novo presidente da empresa, Satya Nadella, que assumiu no ano passado, tem calafrios quando ouve a expressão “taxa estratégica” e diz que a única orientação dada a seus funcionários agora é que eles “façam coisas de que as pessoas gostem”. Algumas das medidas adotadas por Nadella certamente teriam sido vistas por seus dois predecessores como exemplos da estratégia “Windows que se dane”. O popular pacote Office, que reúne um processador de texto, um software de planilha eletrônica e outros aplicativos, agora roda em dispositivos móveis que usam sistemas operacionais de concorrentes, como mostrou matéria da Economist, traduzida pelo Estadão de 5/04, pg B9.
Quando a Microsoft celebrou seu aniversário de 40 anos neste final de semana, executivos e acionistas da empresa devem ter se lembrado nostalgicamente dos velhos tempos. Nascida no ano em que a dupla Captain & Tenille liderava as paradas de sucesso com a canção Love will keep us together, a empresa completou 20 anos já à frente da mastodôntica IBM, para perder a forma depois dos 30, quando foi superada por sua arquirrival Apple.
A ideia de Nadella para revigorar a Microsoft é fazer com que ela deixe o mais rápido e radicalmente possível de ser uma companhia Windows-dependente, para se tornar uma rede global de datacenters gigantes, capaz de oferecer ampla gama de serviços online para empresas e indivíduos. Até o momento, o novo CEO tem sido bem-sucedido na tarefa de mudar o curso desse transatlântico empresarial, com seus 123 mil funcionários e faturamento anual de US$ 87 bilhões.
A transição por que passa a Microsoft tem sido acompanhada de perto por outras gigantes de tecnologia – velhas e novas -, seja porque elas também atravessam mudanças semelhantes e igualmente arriscadas, seja porque receiam ter de reinventar a si próprias no futuro. Cisco, EMC, HP, Oracle, IBM e SAP – todas elas têm de fazer a passagem de um mundo em que os computadores ficavam nas mesas das pessoas, ou no subsolo das empresas, para um mundo em que a maior parte do processamento de dados se dá em “nuvens”, isto é, em datacenters remotos, ou nas mãos das pessoas, sob a forma de dispositivos móveis.
Amazon, Apple, Facebook, Google e similares tentam constantemente se precaver contra o surgimento de novas “plataformas”, com base nas quais empresas concorrentes possam desenvolver aplicativos que lhes roubem parte da clientela. Foi por isso que o Facebook, do alto de seus 11 anos, recentemente gastou US$ 22 bilhões para comprar o serviço de mensagens WhatsApp e outros US$ 2 bilhões para adquirir a Oculus VR, uma fabricante de headsets de realidade virtual.
Afirmar que a Microsoft se resumia ao Windows sempre foi, em certa medida, uma simplificação. Mais exato seria dizer que o sistema operacional era a base de um conjunto bem estruturado de programas que a empresa foi desenvolvendo ao longo dos anos. Depois que o Windows conquistou sua posição dominante no mercado de computadores pessoais, ainda na década de 80, o sistema passou a vir acompanhado do Office, que se tornou igualmente onipresente. Quando os PCs de alto desempenho, conhecidos como servidores, viraram equipamento padrão nos datacenters internos das empresas, a Microsoft repetiu a jogada: desenvolveu um pacote de softwares para servidores, incluindo sistemas de e-mail, bancos de dados e diversos outros tipos de aplicativos voltados para o mundo dos negócios, todos perfeitamente adaptados ao Windows. Foi esse pacote que, em meados dos anos 90, ajudou a Microsoft a tirar da IBM o posto de mais valiosa empresa de tecnologia.