Pedro de Santi
A discussão atual sobre a redução da idade da maioridade penal é daquelas questões espinhosas, que envolvem desde questões filosóficas fundamentais a questões pragmáticas e, de quebra, questões sobre a atual composição conservadora do Congresso Nacional e da sociedade como um todo. Enumero abaixo algumas das questões envolvidas, do mais geral ao mais específico.
1- Quando uma pessoa passa a ser responsável por seus atos, de modo a ter que responder por eles perante a lei? Desde o início da Modernidade ocidental, concebe-se que um Homem seja livre para deliberar sobre suas ações, de modo que deve ser responsabilizado por elas. Este pressuposto não é tão garantido assim, uma vez que compreendemos a quantas variáveis está subordinado nosso comportamento. Contexto social, econômico, dimensões psicológicas que envolvem a história individual e mesmo nosso funcionamento cerebral: tudo isto compõe um feixe de vetores que co-determinam nossos desejos e ações. Mesmo se percebemos que nossa liberdade não seja tão grande quanto o discurso humanista de senso comum costuma vender, concordamos que uma pessoa deva ser responsável por seus atos e que a sociedade tem o direito e dever de retirar de circulação pessoas nocivas ao convívio social e que não cumpram as suas leis,
Mas compreendemos que o discernimento sobre a dimensão de nossos atos é desenvolvido ao longo do tempo. Hoje, tomamos a propício que uma pessoa tem plena condição de responder por si aos 18 anos. Mas alguém com 16 pode votar, por exemplo; embora não possa fazê-lo dirigindo um carro, o que parece incongruente.
Não há um limite preciso, uma data determinada na qual a pessoa passa a ter aquele discernimento. Ele é adquirido com a maturidade, que inclusive não se desenvolve de forma homogênea entre as pessoas. Difunde-se hoje a concepção de que o cérebro de uma pessoa está definitivamente pronto aos 18 anos, mas que relação direta isto pode ter com a conquista de maturidade vital e padrões éticos de convívio?
Quem defende a redução da maioridade penal tem um ponto a seu favor: a grande estimulação social e acesso à informação antecipa a condição de discernimento.
2- Uma vez que existe um limite para que a pessoa seja considerada responsável por seus atos, alguém que esteja logo abaixo deste limite se sente livre para agir sem ter que responder legalmente pelo que faz. Além disto, estas pessoas se prestam a serem usadas por maiores de idade para assumirem seus crimes. Se é esta a questão, a mudança da idade limite apenas muda a altura do sarrafo. Quem estiver logo abaixo do novo limite se sentirá livre da mesma maneira para agir e, certamente, passará a ser usado por aqueles que queiram se esconder sob eles. Quando jovens de 15 anos passarem a ocupar a função do de 16 ou 17 faremos o que? Recuaremos até onde o limite em seguida, 12 ou 10 anos?
3- Qual a finalidade da prisão: retirar a liberdade da pessoa como punição, livrar a sociedade do perigo representado por ela, a reinserção social do criminoso?
O terceiro caminho tem sido realizado? As prisões são mesmo escolas do crime? Neste caso, a prisão de pessoas mais jovens ainda seria um elemento para eternizar o crime. Mas então a questão retorna sobre aqueles que hoje estão presos: de que serve a prisão, como sairão de lá? Qual é a condição de ressocialização (ou simplesmente socialização) deles?
4- Quem apoia a redução da maioridade penal pensa de forma imediata que é preciso retirar de circulação aqueles que representem risco à ordem e à segurança social: ele quer punir e se livrar dos jovens delinquentes. Mas aparentemente esquece que o jovem preso regressará ao convívio social depois de cumprir a pena; provavelmente ressentido e instruído no crime organizado, pelo convívio na prisão.
Num pensamento imediatista e mágico, basta retirar estes maus elementos do caminho. Talvez haja, mesmo, por trás disto, o anseio pela pena de morte. Que estes elementos ameaçadores sejam simplesmente aniquilados, numa higienização social que deixe o mundo mais limpo e parecido conosco.
5- É este aspecto que mais preocupa em nosso ambiente social cada vez mais conservador e intolerante, representado pelo poder de nossos votos na composição atual do Congresso Nacional. Se a presidente e seu partido ainda podem ser associados a preocupações sociais, a necessidade de negociar com as outras forças sociais e do poder legislativo impõem concessões cada vez maiores a posições fortemente retrógradas.