Como diretor de produtos da Netflix Inc., Neil Hunt é responsável por assegurar que a entrega da bem-sucedida programação da empresa aos clientes seja feita sem tropeços. Ele gerencia quase 70% dos funcionários da empresa e comanda tudo, desde os algoritmos que alimentam as recomendações ao usuário até sua relação por vezes tensa com os provedores de serviço de internet.
O trabalho de Hunt vem se tornando mais complexo à medida que a Netflix se expande globalmente. Em janeiro, a Netflix lançou operações em mais de 130 países: uma série de mercados em desenvolvimento com diferentes culturas e línguas e cuja infraestrutura de internet e a relação do consumidor com os pagamentos em cartão de crédito se encontram em estágios variados, como mostrou material do The Wall Street Journal, assinada por Shalini Ramachandran , publicada no Valor de 2/10
A Netflix ainda tem que se provar no cenário global. No trimestre mais recente, ela divulgou uma forte desaceleração no número de novos assinantes nos Estados Unidos e outros países, decepcionando os investidores. Hunt fechou acordos com empresas de TV a cabo para incluir a Netflix em pacotes de TV a cabo para acelerar seu crescimento.
O executivo britânico trabalha com Reed Hastings, diretor-presidente da Netflix, desde meados dos anos 80, incluindo na firma de software Pure, antiga empresa de Hastings. Com um doutorado em ciência da computação, Hunt é conhecido como um “nerd”. Ele se sente à vontade falando sobre qualquer tema, da evolução dos sistemas visuais dos seres humanos aos detalhes técnicos dos métodos de “streaming” de vídeo usados pela Netflix. Nesta entrevista exclusiva, Hunt fala sobre a evolução constante do algoritmo da Netflix para uma audiência global e seus desafios nos mercados em desenvolvimento. A seguir, trechos editados.
WSJ: De que forma os algoritmos são mudados à medida que a Netflix se expande globalmente?
Hunt: Quando o consumidor se senta em frente à Netflix, temos alguns segundos para colocar na frente dele uma meia dúzia de opções e uma delas será algo perfeito para aquela noite. Historicamente, esse algoritmo vinha sendo executado no contexto de um único país em particular: Estávamos usando o comportamento dos consumidores britânicos para fazer previsões para os consumidores britânicos. Agora, estamos usando informações de membros do mundo todo. Hoje há mais dados nos quais se basear para as recomendações, especialmente para os 130 países novos com poucos históricos de dados. O Reino Unido é composto de 60 milhões de indivíduos, e podemos encontrar modelos de gosto para cada indivíduo entre usuários em todo o mundo, não só para britânicos. O que é desafiador é que os catálogos [de conteúdo] disponíveis não são os mesmos em todo o mundo, por isso tivemos de inventar novas técnicas para filtrar as recomendações que não existem para certos clientes e para elevar recomendações que são relevantes, mas estão faltando nos catálogos de outros países populosos.
WSJ: Há sinais de que essa revisão do algoritmo afeta o consumo de conteúdo original da Netflix?
Hunt: Estamos especialmente interessados em conteúdo local, que pode encontrar audiência em uma base mundial mais ampla de membros. “Narcos”, uma produção francesa gravada na Colômbia com um astro brasileiro, foi bem no mundo todo. “Club de Cuervos” é outro exemplo, produzido no México e popular na Europa.
WSJ: Como a Netflix teve de ajustar seu app para se adaptar à maior demanda em aparelhos móveis em países em desenvolvimento?
Hunt: No início deste ano, adotamos um aplicativo nativo mais convencional. Isso faz com que o app ocupe menos espaço e requeira menos conectividade constante com a internet, embora seja mais difícil de atualizar. Também nos concentramos em descobrir como apresentar opções de uma forma mais atraente em uma tela móvel. Em uma tela de TV, você pode apresentar uma amostra com muitas caras diferentes e o usuário ainda pode reconhecer quem são essas pessoas. Quando você mostra imagens em uma tela móvel, aqueles rostos podem ser muito pequenos. Aprendemos que temos de apresentar menos opções.
WSJ: A Netflix está considerando programação desenhada para aparelhos móveis primeiro em mercados como a Índia? E ela está tentando mais parcerias pelas quais pode ser isenta do pagamento de taxas de uso de dados, como aconteceu com o acordo “Binge On” fechado com a operadora de celular americana T-Mobile, para que os usuários se sintam mais livres para ver a programação em seus celulares?
Hunt: Sim, estamos estudando mais acordos como esse, mas nunca é algo para o qual pagamos um provedor. Membros em países como a Índia usam dados celulares com mais frequência, que são muito mais limitados que a internet fixa. Também estamos trabalhando para tornar a codificação o mais eficiente possível, a melhor imagem para a menor quantidade de dados.
WSJ: Qual é o seu papel em ajudar na grande jogada da Netflix de produzir conteúdo original?
Hunt: Tenho uma iniciativa que chamo de “estúdio na nuvem”. Há um monte de maneiras que podemos ganhar eficiência utilizando novas tecnologias para nossas produções originais. Embora não estejamos tentando substituir ferramentas convencionais como editores e efeitos, a capacidade de fazer coisas como arquivar na nuvem – gravando cenas na Malásia e editando no dia seguinte, em Los Angeles – são potenciais áreas de inovação.
WSJ: Os pagamentos via cartão de crédito foram um obstáculo no passado, especialmente na América Latina, onde as pessoas não gostam de entregar informações financeiras. Como você está trabalhando com essa questão em outros mercados em desenvolvimento?
Hunt: Tradicionalmente, os novos membros se inscreviam pelo site. Cada vez mais, eles estão se inscrevendo pelo celular e nunca visitam o site. Estamos adicionando métodos de pagamentos móveis como iTunes e Google Play e, ao fazê-lo, estamos tornando a Netflix mais fácil de usar. Temos também um grande investimento em cartões de presente. Temos parcerias com operadoras como a Orange, na França, onde podemos pegar carona em sua infraestrutura de cobrança. [No projeto, o sócio faz a cobrança em nome da Netflix].