O paquistanês Yasir Jarwar, de 16 anos, foi escolhido por seu pai para chegar à Europa e levar os irmãos mais novos. “Somos quatro irmãos. Quando eu chegar a Berlim, a primeira coisa que farei é começar a trazer todos os meus irmãos e, depois, meu pai e minha mãe. Pode levar alguns anos, mas vamos conseguir.”
Yasir faz parte do grupo de 3,1 mil crianças ou adolescentes que estão na Sérvia em campos de refugiados, sob temperaturas de -3°C, porque uma cerca construída pela Hungria impediu seu ingresso na Europa. Deste grupo, mil têm menos de 6 anos e 747 – quase 10% do total de 7,7 mil imigrantes barrados na fronteira – viajam sem seus pais, como Yasir. O caminho por terra entre o Paquistão e a Síria tem mais de 7 mil quilômetros.
O Paquistão não faz parte da lista de países que a Europa considera seguros, o que significa que a chance de Yasir entrar é mínima. Ele conta que já foi barrado quatro vezes na fronteira da União Europeia (UE). O que muitas entidades e especialistas temem é que, fracassando, esses jovens possam se rebelar contra o Ocidente, como mostrou matéria de Jamil Chade , publicada no estadão de 14/02.
No pátio do centro de acolhida da cidade sérvia de Krnjaca, os destinos de três garotos imigrantes se cruzaram. O também paquistanês Youssef (nome fictício), de 10 anos, viaja apenas com um primo de 14 anos rumo à Europa. Ele se tornou amigo de dois meninos afegãos. Alheios à rivalidade entre os dois países, que ainda disputam territórios em alguns trechos da fronteira, descobriram uma paixão em comum: o críquete. Voluntários locais contam que o trio acorda e dorme pensando em suas grandes jogadas. Tudo com material improvisado.
Perto dali, outro grupo de crianças, formado por iraquianos, afegãos, paquistaneses e sírios, tem outra fixação: o futebol. Ao falar de seus ídolos, os nomes de Messi e Cristiano Ronaldo são gritados para chamar a atenção. Quando a algazarra termina, um deles se identifica: “Eu sou Luis Suárez”. Arranca a gargalhada dos demais meninos, numa cena que poderia ser de qualquer pátio de colégio.
Muitas dessas crianças encontram nas demais o sentido para devolver algo de normalidade a suas vidas. “Garotos de nacionalidades diferentes, que supostamente se odeiam, brincam juntos e até cuidam um dos outros”, diz Tatjana Ristid, porta-voz da organização Save The Children. Segundo ela, o maior tormento dos refugiados é a solidão. Para garantir que o caminho será feito ao lado de outra pessoa, rapidamente eles fazem novos amigos.
Estratégia. A incerteza sobre o destino de centenas de crianças e adolescentes é uma das consequências diretas da política da UE. De acordo com a Save The Children, dos cerca de cem imigrantes e refugiados que entram na Sérvia por dia, 30% são crianças ou adolescentes. Em dois meses, a organização estima que 1,6 mil pessoas foram barradas pela polícia da Croácia e da Hungria, e enviadas de volta para a Sérvia.
“As crianças estão aqui em uma missão”, analisa o representante máximo do Unicef na Sérvia, Michel Saint-Lot. “Seus pais venderam tudo o que tinham e os colocaram no caminho da Europa para salvar a família”, explicou. “Agora, eles não podem entrar na Europa, não conseguem se integrar aqui e não podem voltar”, disse.
Com 14 anos, um garoto sírio que pediu para não se identificar recebeu a missão de levar seu irmão mais novo, de 11 anos, para que ambos pudessem receber status de refugiado na Europa. Após 13 meses viajando, sem saber se chegará ao destino, o menino demonstra o medo característico dos adolescentes no local. Eles não falam inglês, não sabem exatamente onde estão, nem qual será o próximo passo. Foram mandados pelos pais, que pagaram coiotes para guiá-los.
Risco. “A missão é de fato um peso muito grande para alguns desses garotos”, diz Tatjana Ristid, da Save The Children. Muitos têm pesadelos constantes e sofrem com crises de ansiedade. Fora dos centros oficiais de acolhida, relatos recebidos por ONGs ainda apontam para abusos sexuais e exploração. “Alguns casos chegam a ser registrados na polícia. Mas, quando uma investigação começa, tanto a vítima como o autor do suposto crime já partiram”, indica Michel Saint-Lot.
Mesmo os que têm a sorte de estar com seus pais vivem um cenário que não condiz com sua idade. “Os adultos estão perdidos, em depressão e não conseguem cuidar de suas crianças”, afirma uma voluntária do Unicef, que acompanha um centro dedicado a menores no campo de refugiados.
Enquanto a Sérvia era apenas um local de passagem para milhares de estrangeiros a caminho da Europa, a questão da educação nunca foi uma preocupação. Com centenas de famílias “presas” no país, cresce a pressão para que eles possam frequentar escolas. Um grupo de 45 deles já começou a frequentar um colégio. O governo sérvio tenta encontrar um modelo para replicar o sistema em outras regiões. Mas, segundo os dados da ONU, dos 17 centros de acolhida, apenas 7 têm serviços mínimos para crianças e adolescente.
Heróis. Farhad Nori, de 9 anos, chamou a atenção dos funcionários do Unicef no campo de refugiados pelo talento por sua habilidade com o lápis. Farhad está com a família, mas não sabe se poderá seguir caminho pela Europa. Cansados após três anos de viagem, eles começam a buscar asilo em lugares fora da Europa. O Canadá é uma opção.
Enquanto as escolas não funcionam, representantes da Save The Children usam técnicas para fortalecer a resistência das crianças ao ambiente hostil. Uma estratégia é pedir que as crianças reconstruam suas viagens. Com mapas, material escolar e criatividade, elas usam sua própria trajetória como terapia. A medida serve para que possam entender o que está ocorrendo.
Outra tática da organização é mostrar super-heróis e falar das capacidades sobre-humanas de alguns deles. Ou exaltar a trajetória de grandes ídolos mundiais e seus pontos fortes. É justamente o que Farhad vem fazendo, retratar seus heróis. Ao folhear um caderno improvisado que ele guarda, uma voluntária do Unicef descobriu um retrato de Cristiano Ronaldo, ídolo máximo do garoto. Em outro papel, ele rabiscou o rosto de Angela Merkel. Questionado sobre o motivo pelo qual não terminou o desenho da chanceler alemã, Farhad explicou. “Ela abriu a fronteira e passou a ser uma das pessoas que eu amo. Mas depois ela fechou a fronteira e estamos parados aqui.”