Montadoras de carros não têm medo do Vale do Silício?

A briga é de gente grande. Mas, é bem interessante para o consumidor. Quem pergunta como as montadoras tradicionais vão enfrentar novos concorrentes como Google e Apple vale dar uma olhada no modelo R8, da Audi.

No primeiro dia do Salão do Automóvel de Genebra, que ocorre todo ano na Europa, a fabricante de automóveis de luxo lançou um carro esportivo movido a eletricidade que mostra por que os executivos do setor acreditam que podem resistir à investida do Vale do Silício, que ameaça revolucionar essa indústria de 129 anos, como mostrou matéria do The Wall Street Journal, assinada por William Boston e Eric Sylvers, publicada pelo Valor, em 5/03, pg B11.

O R8 tem uma estrutura leve de alumínio e fibra de carbono e percorre até 450 quilômetros com apenas uma carga. A Audi testou o R8 em piloto automático a mais de 200 km por hora em torno do autódromo de Hockenheim. Além disso, equipou o carro com faróis futurísticos a laser que são mais brilhantes e potentes que os faróis normais, ilustrando onde a tecnologia automotiva se encontra hoje.

O carro pretende mostrar que o setor pode fazer agora o que empresas de tecnologia como o Google afirmam que um dia será possível. “Nosso objetivo era trazer todas as novas tecnologias para o carro”, diz Heinz Hollerweger, chefe da unidade de desempenho da Audi, a Quattro GmbH, que desenvolveu o R8.

Com o setor automobilístico enfrentando um fraco crescimento em regiões como a Europa e o Brasil, o colapso da economia russa, moedas voláteis e instabilidade política em algumas partes do mundo, os executivos das montadoras estão cada vez mais receosos que uma forte tempestade esteja se aproximando, à medida que gigantes da tecnologia como a Apple e o Google se voltam para o setor.

Numa história de ruptura do status quo que já teve capítulos em muitos setores, as montadoras agora lutam para garantir que vão manter o controle da indústria que construíram.

“Há uma tremenda oportunidade criada pela convergência da tecnologia da Costa Oeste [Vale do Silício] e a dos fabricantes de veículos, com sua grande profundidade tecnológica”, diz Dieter Zetsche, presidente do conselho de administração da Daimler, cujo fundador patenteou o primeiro automóvel, em 1886. A Daimler é proprietária da marca de luxo Mercedes-Benz. “Não temos medo. Temos confiança na nossa própria força.”

Nem a Apple nem o Google exibiram carros na feira de Genebra, mas sua presença foi sentida em reuniões a portas fechadas e em coletivas de imprensa com executivos do setor. O Google desenvolveu o protótipo de um carro que não precisa de motorista. No início deste ano, a empresa informou que espera ter um nas ruas em cinco anos.

O diretor-presidente da Renault, Carlos Ghosn, duvida do cronograma do Google. “Não achamos que seja possível”, diz Ghosn sobre a previsão da empresa americana de que seu carro estará pronto em 2020. “O horizonte é de mais de dez anos”, diz ele, citando a lentidão dos avanços tecnológicos e a regulação governamental.

A Apple tem várias centenas de empregados trabalhando em modelos de um carro elétrico com a marca Apple, um projeto chamado Titan, disseram pessoas a par do projeto ao The Wall Street Journal. Ele está adiantado ao ponto de funcionários da Apple estarem se reunindo com fabricantes terceirizados do setor de carros avançados, embora a produção de um veículo pela Apple ainda esteja distante — se é que vai acontecer.

Um das preocupações dos executivos do setor é o poder financeiro do Vale do Silício.
Só a Apple possui quase US$ 178 bilhões em dinheiro no caixa e seu valor de mercado, de US$ 750 bilhões, é mais que o dobro do valor combinado da Volkswagen, Renault, PSA Peugeot ,Citröen, Daimler AG, BMW e Fiat Chrysler.

“Estou preocupado em ter alguém desse calibre fazendo papel de disruptor”, diz Sergio Marchionne, diretor-presidente da Fiat Chrysler. “A Apple tem credibilidade e muito mais capacidade de se autofinanciar do que qualquer fabricante de carros.”

A ameaça de que a Apple e o Google podem acabar controlando tecnologias essenciais do automóvel, como sistemas de comunicação entre veículos ou de piloto automático, está levando o setor a acelerar seu próprio desenvolvimento dessas tecnologias. Isso é demonstrado pelo R8, da Audi, e por novas tecnologias em carros mais populares.

Muitos no setor duvidam que o Google ou a Apple realmente pretendam fabricar carros. As duas empresas estão ansiosas para acompanhar seus clientes aonde quer que eles usem seus produtos durante o dia — no trabalho, em casa ou no carro. As empresas de tecnologia veem os carros como um terceiro local onde as pessoas passam muito tempo, dizem vários executivos do setor automotivo.

É improvável que o Google ou a Apple possam produzir um carro tão sofisticado como o R8 da Audi no futuro próximo. Mas uma coisa é certa: a indústria automobilística está sendo sacudida por novas tecnologias como eletrificação e a internet. Quem serão os vencedores e os perdedores continua sendo, porém, uma incógnita.

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