Memória é algo que sempre permite interpretação. Uns lembram um fato de um jeito, outros de outro modo, bem diferente. E todos devem se conformar com a incerteza da interpretação, típico da memória como a conhecemos. Porém, se o Memoto “pegar”, se o registro em nuvem de tudo avançar, qualquer discussão baseada na memória não será mais do modo como a conhecemos hoje.
Vamos por partes. Memoto é uma startup sueca, com 17 funcionários, que trabalham na Suécia, em Cingapura e nos EUA. Agora eles pesquisam como mudar a memória e a maneira como vemos a nós mesmos, como lembramos das coisas, e o que elas nos lembram. É claro que esses pesquisadores consideram privacidade algo antiquado. A empresa chamou a atenção da Der Spiegel, a prestigiosa revista alemã que descreveu em detalhes a pesquisa e o produto. O Estadão traduziu este texto na edição de 5 de maio, pg B11. A Memoto já apresentou a invenção com a qual quer conquistar o mundo: é uma câmera, mas não parece uma, mesmo quando observada atentamente. É pequena como uma caixa de fósforos e pode ser presa na roupa com um alfinete ou pendurada no pescoço.
O mais interessante é que o aparelho não tem botão para ligar ou desligar. Nem visor. A máquina tira uma foto a cada 30 segundos, 120 imagens por hora. Para parar a câmera, basta guardá-la no bolso. Mas, cada foto registra o tempo e as coordenadas de GPS de onde foi tirada. O resultado é um registro fotográfico gigante, chamado de Lifelog porque é um registro total da vida, termo da comunidade da empresa na rede.
Se a ideia pegar não haverá nada no futuro que não tenha registro. Esquecer será coisa do passado e não será mais possível negar experiências. Em outras palavras, estas bem mais perigosas: memória não será mais subjetiva, mas apenas um arquivo de imagens em um servidor da Amazon.
Esta empresa, a Amazon, entra na história porque as imagens não permanecem na câmera. A Memoto as transfere para servidor alugado da Amazon nos EUA. Um software escolhe as fotos e as organiza por espaço e tempo O usuário do sistema usa seu computador ou celular para procurar imagens antigas e fazer delas o que quiser, inclusive postar no Facebook.
A câmera estará sempre ligada, mesmo em situações em que usar câmara do celular seja proibido. Conflitos são esperados. Nem todo mundo ficará contente em ser fotografado, com ou sem sua permissão. Aliás, um dos sócios da companhia já enfrentou sério problema: o jardim de infância do seu filho proibiu terminantemente o menino de vir na escola com o aparelho.