‘Inteligência artificial nos tira da zona de conforto’

O enxadrista russo Garry Kasparov teria todos os motivos para reforçar o coro dos que alertam para os riscos das máquinas substituírem os humanos em diversas atividades. Afinal, sua derrota para o computador Deep Blue, da IBM, há 20 anos, foi considerado por muitos como o triunfo definitivo da máquina sobre o cérebro.
Mas em um momento em que a aplicação da inteligência artificial se firma como uma das principais forças no mundo da tecnologia e dos negócios, em geral, ele se apresenta como uma voz otimista em relação aos avanços nessa área. “A inteligência artificial vai nos fazer sair da zona de conforto para criar coisas grandiosas”, disse.
Para Kasparov, a substituição de certas funções por máquinas faz parte do processo natural de evolução das tecnologias desenvolvidas pelo homem, que ocorre há milhares de anos. A diferença agora é que os empregos que estão ameaçados não são só os das pessoas mais pobres e sem formação, mas também os de profissionais com diploma de nível superior e contas no Twitter. “Se a automação vai tirar empregos no setor financeiro, isso é uma ótima notícia. Significa que haverá mais talento disponível para as áreas de ciências e para o desenvolvimento de tecnologias disruptivas”, avaliou.
Na avaliação de Kasparov, a derrota para o Deep Blue poderia ter sido adiada em alguns anos, caso a IBM tivesse se disposto a fazer um novo jogo – a derrota do russo ocorreu na segunda partida, uma revanche solicitada pela fabricante -, mas era inevitável, como mostrou matéria de Gustava Brigatto, no Valor de 20/09.
Para ele, as máquinas sempre serão superiores aos humanos em atividades que ocorrem dentro de sistemas fechados, em que as regras são predeterminadas – como um jogo de xadrez ou o Go, jogo de tabuleiro chinês no qual uma empresa de inteligência artificial do Google, a Deepmind, conseguiu bater o principal jogador, ano passado.
Mas em situações em que a avaliação de dados e padrões não são suficientes para dar todas as respostas, o julgamento humano ainda será fundamental. “Se você vai comprar em uma loja, seu assistente pessoal virtual pode ser inteligente o suficiente para analisar sua conta e seu histórico financeiro para dizer que você não tem condições de pagar se você não tiver dinheiro. Mas adicione à cena o seu filho no dia do seu aniversário, ou sua esposa na véspera do aniversário de casamento. Você não vai comprar? Isso significa que a máquina está errada? Não. O fator emocional muda tudo”, disse.
Defensor do programa espacial, Kasparov disse acreditar que é preciso sonhar mais e tomar mais risco. “Se a penicilina fosse desenvolvida hoje, ela não passaria nos primeiros testes de laboratório porque os padrões são muito altos. Uma viagem para Marte apresenta menos riscos do que Colombo enfrentou porque já temos o mapa [já se sabe onde o planeta está localizado].”
Crítico do presidente russo Vladimir Putin, e também do americano Donald Trump, ele avaliou que a relação entre os dois e os recentes eventos geopolíticos são um reflexo de uma série de outras questões que vêm se acumulando ao longo dos anos e que o momento é propício para que se retome o pensamento estratégico, de longo prazo. “É preciso pensar nas instituições. Fazer com que elas se fortaleçam para que mesmo que alguém como Trump, que não está apto para exercer o cargo, assuma, as coisas não saiam dos trilhos.”

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