Inteligência artificial é o nome do jogo

É praticamente impossível manter uma conversa com um investidor, ou com uma startup no Vale do Silício, a meca do mundo da tecnologia, sem que duas palavras mágicas sejam ditas: “machine learning”, ou aprendizado de máquinas, que nada mais é do que uma aplicação do conceito de inteligência artificial.
A ideia de dar aos computadores a capacidade de aprender e tomar decisões sem interferência humana deixou de ser um assunto complicado e se tornou uma verdadeira febre entre as empresas de tecnologia instaladas na região – e, consequentemente de muitas outras ao redor do mundo, que seguem as tendências do Vale, como mostrou material do Valor, assinada por Gustavo Brigatto, publicada em 21/11.
Não é preciso fazer muito esforço para ver aplicações práticas. Robôs que fazem o atendimento a clientes nas redes sociais, assistentes pessoais digitais em smartphone, drones, carros autônomos, aplicativos de edição de imagem, mecanismos de recomendação de compras no varejo digital e uma infinidade de outros produtos já usam “machine learning”, ou uma outra disciplina do mundo da inteligência artificial, o “deep learning” (aprendizado profundo).
“Finalmente está todo mundo falando disso”, comemora o português Fernando Pereira, vice-presidente de engenharia do Google, que estuda a inteligência artificial há mais de quatro décadas. Mas por que um conceito que começou a ser estudado nos anos 50, mas nunca decolou, está tão na moda?
Trata-se de uma tempestade perfeita, composta por três fatores: o enorme volume de dados disponível ao redor do mundo; a capacidade de processamento de dados disponível em centros de dados, e também em dispositivos menores, como smartphones; e os avanços no desenvolvimento de algoritmos, que permitem criar modelos mais eficientes.
“No passado, se prometeu muito com tecnologias que não podiam entregar tudo o que se queria. Hoje, acontece o contrário e você tem mais capacidade de fazer testes de menor escala para testar os modelos”, diz Pereira. Ele observa, no entanto, que ainda há muito o que fazer até que a tecnologia esteja madura. “Estamos bem no começo”. Ainda assim, essa corrida do ouro já está a todo vapor.
Os gastos relacionados a inteligência artificial serão multiplicados por seis nos próximos quatro anos, saindo de US$ 8 bilhões em 2016 para US$ 47 bilhões em todo o mundo em 2020, estima a empresa de pesquisas IDC. A conta inclui sistemas e equipamentos capazes de fazer a mágica acontecer.
“A inteligência artificial vai transformar a maior parte das indústrias”, diz Brian Krzanich, presidente da fabricante de chips Intel, que reuniu mais de 300 pessoas na semana passada, em San Francisco, para debater o assunto.
Foi a primeira vez que a companhia falou de forma estruturada sobre seus planos para essa área, com novidades em termos de novos processadores, mas também de parcerias – a principal delas com o Google – softwares e investimento em mão de obra especializada em inteligência artificial. “Não imaginava que eles tinham essa visão”, disse Karl Freund, analista sênior da Moor Insights & Strategy, no fim do evento.
Assim como boa parte das companhias tradicionais do mundo de tecnologia, a Intel está se armando para competir nesse novo mundo. Desde o fim do ano passado, a fabricante já comprou três startups para ajudar a acelerar o lançamento de novos produtos. “Queremos fazer com a que transformação seja algo positivo”, disse Krzanich.
Atualmente, a fabricante americana de placas de vídeo Nvidia é a principal referência em equipamentos para quem quer trabalhar com inteligência artificial. Mas se os planos da Intel funcionarem, em até quatro anos, o quadro pode ser diferente.
“A inteligência artificial se tornou aquele tipo de tecnologia que é o objetivo de todo mundo, e está impulsionando o desenvolvimento de muitas outras inovações, como aconteceu com o smartphone, a pouco tempo atrás”, diz Bob O’Donnell, da TECHanalysis Research, um dos analistas mais respeitados do mercado. Apesar disso, ele faz uma ressalva: “Será que estamos prontos para abrir mão da privacidade? Porque a inteligência artificial só é útil se sabe muito sobre você. E eu acho que não estamos prontos para isso ainda.”
George Siemens, diretor-executivo do laboratório Link, que desenvolve pesquisas sobre o futuro da educação e da sociedade, da Universidade de Texas Arlington, também faz ressalvas. “Provavelmente seremos a última geração que é mais inteligente do que a tecnologia. E temos que estar muito atentos para as implicações sociais disso tudo”, pontua.
Uma das questões mais importantes, sem dúvida, é o desemprego. Com máquinas cada vez mais inteligentes, a tendência é que elas poderão substituir seres humanos em diversas funções – principalmente aquelas mais repetitivas. O que fazer, então, com a mão-de-obra dispensada?
O polêmico bilionário Elon Musk, co-fundador do PayPal e presidente da montadora Tesla falou há algumas semanas sobre a possibilidade de se criar algo como uma renda mínima universal, para subsidiar os desempregados. Mas essa conta não parece ficar de pé tão facilmente. Quem sabe os próprios computadores vão evoluir ao ponto de pensar em uma resposta para essa questão.

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