Impressoras 3D entram no dia a dia das grandes corporações

Imagine que uma peça de plástico do seu carro quebrou. Você vai até a uma oficina autorizada e no estoque não há o que você precisa. Não importa. Um funcionário aciona uma pequena máquina e fabrica ali mesmo a tal peça. A ideia está em estudo pela Renault do Brasil e faz parte de uma pequena revolução que se espalha pela indústria nacional sem despertar muita atenção. No centro dessa mudança estão impressoras 3D, máquinas capazes de fazer praticamente qualquer objeto – do componente do motor de um avião a próteses humanas, passando por peças de carros, brinquedos e roupas.

“O uso dessas impressoras é tão abrangente que não há limite para nada. O que você imaginar que possa ser fabricado em 3D é possível ser feito”, diz Julio Talon, da General Electric (GE) no Brasil. “É o sonho dos engenheiros”, resume. Talon é presidente da unidade brasileira da General Electric (GE) dedicada à fabricação e revisão de motores de avião.

A GE é um dos conglomerados industriais que têm investido alto nessa tecnologia. Um marco recente da empresa, nos Estados Unidos, foi o início da produção em 3D (e não por meio da tradicional fundição) de um bico injetor para o novo motor do Boeing 737. É uma peça que suporta temperaturas de 1.000 graus Celsius, conta Talon. A GE possui duas grandes impressoras 3D, uma em Cincinnati (no Estado de Ohio) e outra em Auburn (Alabama). “Hoje a GE está trabalhando com tecnologia 3D nos setores de saúde, aviação, óleo e gás e trens”, afirma Talon.

A indústria brasileira ainda está longe desse estágio na chamada “manufatura aditiva” ou “manufatura digital”. Fábricas no país que entraram na geração 3D empregam a tecnologia para fazer protótipos e ferramentas, geralmente com impressoras de baixo custo, como mostrou artigo assiando por Marcos de Moura e Souza, publicado no valor de 24/04.

É o caso da própria unidade da GE comandada por Talon, em Petrópolis. E também da Magnesita, um das maiores produtoras mundiais de material refratário. A empresa tem duas impressoras em sua unidade em Contagem (MG) com as quais produz protótipos, peças, ferramentas. Diz que as impressoras reduzem tempo de trabalho e também custos. “A Magnesita acredita que ainda estamos nos primórdios das impressoras 3D”, diz Marco Flávio Pujatti, diretor de marketing técnico da companhia. “Em um futuro próximo diversos materiais, incluindo cerâmicos usados na indústria, também estarão disponíveis para a impressão de produtos finais”, prevê.

Com base em softwares de projetos, impressoras 3D constroem objetos por meio de deposição de camadas de partículas de material plástico, metálico, cerâmico e borracha. Era uma tecnologia caríssima há alguns anos. Mas desde 2009, quando caíram patentes importantes, impressoras desse tipo passaram a ficar mais baratas e mais populares a cada ano. Hoje, um modelo de entrada sai no Brasil por cerca de R$ 3 mil nos sites de grandes varejistas.

Em 2015, a direção da Renault do Brasil começou a pesquisar como poderia usar 3D em sua fábrica em São José dos Pinhais (PR). Adquiriu três impressoras, um investimento de menos de R$ 50 mil. De início, serviram para imprimir protótipos de peças, depois passaram a fazer peças de equipamentos e de máquinas da linha de montagem. Em 2016, foram feitas 486 dessas peças em 3D – o que gerou uma economia de R$ 520 mil.

Angelo Figaro, diretor de informática da Renault do Brasil, diz que mais do que economia, o que mudou realmente foi o tempo e praticidade com que a empresa passou a obter suas peças. “Hoje nossas impressoras rodam 24 horas por dia e todos os setores pedem peças”, diz Figaro.

Agora, a empresa namora a ideia de levar esse tipo de equipamento às concessionárias. “É ainda algo embrionário, mas a ideia é disponibilizar impressoras 3D nas concessionárias para futuramente fabricarem peças sem impacto de segurança e itens como suporte de celular”, afirma Frederico Ferrarini, supervisor de informática e que integra a equipe de Figaro.

Concorrente da Renault, a Fiat Chrysler apostou em outro caminho. Montou há um ano um fab lab (um oficina aberta cujo coração é uma 3D) perto de sua fábrica em Betim (MG). “Numa grande corporação como a FCA, esse tipo de equipamento tem uma demanda muito grande. As outras impressoras estão trabalhando 24 horas e quando chega alguém com uma ideia muito diferente, que ainda nem está em fase de desenvolvimento, vem aqui”, diz Paulo Matos, gerente de desenvolvimento humano e organizacional da Isvor, a universidade corporativa da empresa, onde fica o fab lab.

Nas fábricas que já abraçaram o 3D parece haver um consenso: impossível voltar atrás. Seja para testar ideias, para fazer protótipos seja para produtos finais. Uma das impressoras 3D que a Fiat tem na fábrica em Betim (MG) é capaz de produzir em 12 horas uma peça que, injetada, levava dias. Como abrir mão disso?

Mas que implicações essa nova forma de produção pode trazer para as montadoras e para vários outros setores da indústria? Hoje, qualquer pessoa em qualquer canto do mundo pode fazer suas próprias peças de carros, por exemplo. Há sites na internet com projetos. Márcia Naves, superintendente da Isvor, da Fiat, antevê alterações na fabricação de itens e na logística, quebra de intermediários e disputas legais envolvendo direitos autorais. “Mas a gente não pode ficar cego ao que essas tecnologias empoderadoras estão fazendo”, diz ela.

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