Entre a negligência e a invasão; a dificuldade de ser pai de adolescente

Pedro de Santi

No momento em que escrevo este texto, minha filha de 13 anos está parada num posto de gasolina entre São Paulo e Minas Gerais. Ela saiu pela manhã numa viagem de estudo do meio da escola e seu ônibus quebrou 4 horas depois. Ela está num grupo de cerca de 80 colegas e representantes da escola, responsáveis pela viagem. Enquanto escrevo, me pergunto se não deveria estar na estrada para resgata-la. Se vou, provavelmente pago um mico mas, será que não sou negligente por deixá-la por conta dos responsáveis pela excursão, que já começou mal?

O encontro da medida certa de presença dos pais ante um adolescente é muito difícil e delicado. Sem dúvida, esta faixa de idade é marcada pelo ganho progressivo de autonomia e privacidade dos jovens. Eles ainda estão sob a responsabilidade dos pais, mas estão cheios de atitude, em busca por se afirmar. Se deixamos nossos filhos, soltos, eles ficam à mercê de influências nefastas, de toda ordem: o mercado de bebidas e drogas, a sedução pela internet, o desejo de terceiros que podem desejar tirar proveito deles. Se procuramos controla-los, estamos fadados ao fracasso (a autoridade autoritária é sempre burra e aquém do desejo de liberdade, que dará um jeito de dribla-la) e nos tornamos invasivos, o que gera uma reação de fechamento e distanciamento progressivo.

Lembro-me de entrevistar recentemente uma família em busca de terapia para um filho de 16 ano de idade. O pai dizia que o filho passou a ser muito fechado e calado. Diagnóstico: adolescente. Ao longo da conversa, o pai disse que a família acabara de se mudar para um apartamento novo mas que, por falta de dinheiro, não tinha sido possível colocar uma porta no quarto daquele filho… Diagnóstico: pai inseguro e invasivo. Clinicamente, a angústia do pai chamava mais a atenção do que o fechamento do filho.

Na realidade, não há como ter segurança nesta área…Ainda assim, na maioria dos casos, aos trancos e barrancos, como aconteceu conosco na mesma idade, as coisas andam e o processo de aquisição de certa autonomia avança, até que os jovens se tornem jovens adultos e passem a poder assumir a responsabilidade por eles mesmos. É verdade também que este processo tem demorado mais nas últimas décadas; não vou retomar de momento este viés, que já tratamos neste espaço em outras oportunidades.

Nas últimas semanas, muito se falou sobre instâncias da cultura atual que se configuram como vilões para os pais de adolescente: séries de NETFLIX e jogos online. Tanto já se falou sobre os dois produtos culturais que não vou também me deter neles, mas sim na insegurança dos pais. O enunciado de uma mãe dizendo que “perdeu o filho para o jogo da baleia azul” foi típico daquela reação.

Sem dúvida, o acesso a internet em idades cada vez mais precoces interfere diretamente no processo de amadurecimento das crianças em diversos aspectos: um deles, é a diminuição do poder dos pais como intermediadores do acesso à informação e cultura. O controle e a autoridade dos pais ficam acuados e uma tentativa de evitar o acesso àquele acesso só poderia gerar filhos francamente despreparados e desadaptados para o mundo. A presença dos pais como mediadores do acesso ao mundo segue sendo imprescindível, assim como a lembrança que a função dos pais é se tornarem prescindíveis: ou seja, eles terão cumprido sua função se contribuírem para que os filhos ganhem certa autonomia e se responsabilizem por suas vidas.

Mas não é a toa que aquilo que vem das internet- séries e jogos-  assumam na fantasia dos pais o papel de sedução, risco, ataque. Sentimos nossos filhos como seres frágeis e nunca prontos para dar conta de si; com isto, entre outras coisas, muitas vezes nos autorizamos a monitora-los e protege-los em excesso. O tiro costuma sair pela culatra: filhos super monitorados não terão espaços vazios para desenvolver recursos próprios e simplesmente não terão como amadurecer.

Mas e se dermos espaço para eles, não o risco de algo grave acontecer? Há. E acontece a certo contingente de jovens no encontro de fragilidades pessoais anteriores e contingências desfavoráveis.

Tal como descrito pela mídia, o  jogo da baleia azul- talvez “fake news”- justamente não é um jogo. Jogos são ambientes simbólicos nos quais fantasias podem ser vividas sem implicações no real. Temos todos fantasias de vitória/derrota, matar/morrer, seduzir/ser  seduzidos. Nossos santos pais também as tinham e nossos angélicos filhos idem. É necessário poder habitar ambientes no qual isto possa ser vivido sem  perigo real para si ou para os outros. Cada contexto social configura estas fantasias, assim com quais delas – e em que medida- podem ser vividas. O excedente resta como potencial disruptivo, que precisa de meios simbólicos para serem vividos, sob pena de estourar como sintoma ou ato..

Quando um jovem se mutila ou se mata, não se trata mais de um jogo, mas de uma passagem ao ato, com efeitos sobre o real. É pouquíssimo provável que um jovem razoavelmente bem constituído se deixe levar por outros a este ponto. É certo que alguém que embarque nesta já o faça desde uma posição de sofrimento anterior, que se encontrou com algo que, para outros, é apenas um jogo.

Se os pais vierem, na melhor das intenções, a proibir os filhos de jogar ou assistir séries e filmes, estarão especificamente os privando dos recursos através dos quais podem descarregar suas fantasias.

Mas a situação é sempre tensa, pois pesa sobre os pais e educadores a responsabilidade pelas ocasiões quando o pior acontece. Este temor de ter que responder por algo que lhes escapa, o que se passa internamente com filho ou estudante, gera um sofrimento intrínseco à toda relação de cuidado. E gera a tentação do controle, uma vez mais, inviável.

Ao concluir este texto, sou informado (liguei, é claro) de que o ônibus que leva minha filha foi concertado e está a caminho de Mariana, como planejado. Diz uma lenda familiar que, quando eu e minhas irmãs éramos crianças e saíamos em excursão com a escola, meu pai seguia atrás, mui discretamente, com seu fusca vermelho. Como sempre tirei um sarro  dele por isto, tento me segurar. Escrever é uma forma de me segurar; obrigado pela companhia, eventual leitor.

Mas meu carro está abastecido, por via das dúvidas.

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