Guerra comercial corta ao menos 0,7% do PIB global

Uma intensificação das tensões comerciais entre os EUA e a China pode cortar 0,7% da expansão econômica global entre agora e 2022, afetando todo o mundo. O alerta é da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que divulga hoje o seu relatório de perspectivas econômicas.

Mas os efeitos podem ser bem maiores. Para a OCDE, a tensão entre as duas maiores economias do mundo é um perigo para os investimentos globais e empregos, além de reduzir o padrão de vida dos consumidores e aumentar custos de produção para as empresas.

Em entrevista ao Valor, a economista-chefe da OCDE, Laurence Boone, aponta outro risco global: uma forte desaceleração da China. Pequim adotou novas medidas para estimular a sua economia, mas persistem dúvidas sobre o impacto disso na atividade. E uma baixa na demanda chinesa teria um impacto importante no PIB global.

O rápido crescimento do endividamento privado de corporações não financeiras é outro risco destacado por Boone. O volume de US$ 13 trilhões representa quase o dobro do montante de 2008.

O crescimento global medíocre vai continuar, diz Boone. A OCDE pede que os governos ajam com urgência, usando todos os instrumentos de que dispõem para reativar uma expansão para todos. Leia os principais trechos da entrevista:

Valor: Até que ponto as perspectivas econômicas globais continuarão medíocres?

Laurence Boone: A OCDE revisou para baixo certas projeções em relação ao que fizemos em março, basicamente porque o primeiro trimestre não foi bem em lugar nenhum. A desaceleração é global, com crescimento modesto em quase todas as economias. Fazemos projeção de 60 países. Em metade tivemos surpresas positivas e na outra metade surpresas negativas. Foi positivo, por exemplo, nos EUA, na Alemanha, e mesmo no Japão. Mas, quando examinamos de perto, o que explica essa situação em relação às expectativas tem a ver muito com estoques. A demanda não é forte e não nos deixa muito confiantes para o futuro. O crescimento global era sincronizado há um ano e meio, mas divergências apareceram entre setores e países. As fontes de incertezas não diminuíram, intensificaram-se, como as tensões comerciais.

Valor: Qual o custo da tensão comercial entre EUA e China?

Boone: Vai bem além do impacto direto. Prevíamos no ano passado que a economia mundial cresceria 3,9% neste ano e agora falamos de 3,2%. Mas não há somente tensão comercial. Duas cifras mostram como a crescimento global é afetado. O crescimento do comércio mundial de bens em volume chegou a 5,5% em 2017, mas ficou em zero agora no primeiro trimestre. E o crescimento dos investimentos, que em 2017 foi de 5%, caiu para 2,5% no fim de 2018. A fabricação de bens e as exportação geram muito investimento. Mas quando há muita tensão nas relações comerciais, as empresas hesitam em investir, ficam na expectativa e há impacto no crescimento. É forte o custo dessa incerteza.

Valor: O que suas simulações apontam sobre esses custos?

Boone: Pelas nossas simulações, na hipótese de EUA e China adotarem sobretaxa de 25% em todo o comércio bilateral, e presumindo que isso ocorra em julho, a produção global teria um corte de 0,7% entre agora e 2022. O

Guerra comercial corta ao menos 0,7% do PIB global

comércio global cai mais. Isso afetaria todo o mundo, incluindo os americanos, que pagariam mais pelos produtos. O Brasil poderia ganhar com o conflito num primeiro momento, mas no longo prazo também perderia, porque outros parceiros passariam a comprar menos.

Valor: A produção industrial global já vem caindo…

Boone: Sim, o PMI [índice de atividade dos gerentes de compras] do setor industrial está próximo de zero em nível mundial, enquanto há expansão no setor de serviços. Há contração em novas encomendas para exportações. Estamos inquietos, porque indústria e serviços não trabalham isoladamente. Mais de um terço das exportações de manufaturados vem da área de serviços. Se a produção industrial não vai bem, as pessoas vão comprar menos serviços, e a fraqueza acaba se propagando.

Valor: A China preocupa muito?

Boone: A China continua a gerar preocupação. Está mudando de modelo e, em vez de impulsionar o crescimento pelas exportações, vai mais pelo consumo. Vimos muitos países que fizeram isso, com uma transição difícil, como no Japão. Daí as políticas monetária e fiscal para sustentar a demanda. A China adotou políticas expansionistas, mas não estamos seguros em relação a algumas medidas novas. Há incertezas sobre o impacto delas na atividade. Estimamos que uma redução de 2 pontos percentuais no crescimento da demanda interna na China – por dois anos e combinada com acentuada incerteza – poderia reduzir o PIB global em 1,75% até o segundo ano.

Outro risco é a dívida de empresas não financeiras na China. O governo quer baixar essa dívida, mas quando faz isso tem impacto, é preciso reequilibrar [as políticas].

Valor: A OCDE prevê crescimento de 6% na China. A expansão chinesa futura será abaixo disso?

Boone: Sim, com o envelhecimento demográfico e uma convergência com países desenvolvidos, a economia chinesa vai crescer 5% ou 4%… Devemos nos habituar a isso. Mas o PIB chinês aumentou muito, e a China contribui com um terço do crescimento mundial, o que não é pouco.

Valor: E quanto ao endividamento global?

Boone: Este é o terceiro grande risco que apontamos. Temos um rápido crescimento da dívida privada corporativa não financeira desde 2008, que está em US$ 13 trilhões em termos reais, quase o dobro comparado a 2008. E há o problema de qualidade da dívida, que se deteriorou. Há um estoque importante de empréstimos alavancados. Se tivermos mais desaceleração do crescimento, uma parte dessa dívida será [a classificação de risco] rebaixada, os investidores teriam de vender os papéis e teríamos mais volatilidade. Daí porque falamos de possibilidade de novo surto de estresse financeiro.

Valor: Como a OCDE vê o Brasil?

Boone: Fizemos uma revisão em baixa. Projetamos crescimento de 1,4% para este ano em razão de muita incerteza sobre reforma. Achamos em todo caso que o país deveria ter uma recuperação moderada, porque as condições financeiras são boas. Também o crescimento pode ser retomado rapidamente, após forte crise na Turquia e na Argentina. Somos mais prudentes em relação à Turquia, porque as empresas são bem endividadas.

Valor: Por quanto tempo teremos um crescimento global medíocre?
https://www.valor.com.br/imprimir/noticia_impresso/6267897 2/3

Boone: Para ter crescimento mais forte, é preciso ter mais certezas na maneira como comércio internacional é gerado, por exemplo. Muitos países precisam investir mais. Os governos precisam agir com urgência para revigorar o crescimento. Precisam investir em infraestrutura, transformação digital e em educação para enfrentar os desafios futuros. Os governos precisam usar todos os instrumentos de que dispõem para gerar esse crescimento para todos.

https://www.valor.com.br/internacional/6267897/guerra-comercial-corta-ao-menos-07-do-pib-global#

Comentários estão desabilitados para essa publicação