Governo dos EUA está cada vez mais com cara de Trump

Mais um se foi. Com exceção de Jim Mattis, o secretário de Defesa, o presidente Donald Trump se livrou de todas as pessoas que o enfrentavam. A saída de Rex Tillerson acaba com as diferenças entre o instinto antiglobalizante de Trump e a posição da diplomacia dos EUA. Mike Pompeo, o substituto de Tillerson, tem a mesma mentalidade não diplomática de Trump. Pompeo é um possibilitador de Trump. A política do “America First” está mais perto de se tornar realidade.
Os impactos para o mundo são de amplo alcance. Um dos maiores pecados de Tillerson foi chamar Trump de “idiota”. O desabafo seguiu-se a uma reunião em que o presidente disse que os EUA deveriam multiplicar por dez o seu arsenal nuclear. A resposta depreciativa de Tillerson quebrou duas regras básicas do trabalho com Trump. A primeira foi demonstrar deslealdade, algo que Trump não tolera. Questionar seu QI é um tabu. A segunda regra foi entrar em conflito com ele várias vezes em grandes questões. Na prática, elas representam a mesma coisa, como mostrou matéria do Financial Times, assinada por Edward Luce , publicada no Valor de 14/03.
Gary Cohn, que renunciou na semana passada ao cargo de assessor econômico de Trump, também violou as duas regras. No terceiro trimestre do ano passado, ele disse ao “Financial Times” que desaprovava a imparcialidade de Trump no choque da chamada “alt-right” (extrema direita alternativa) com manifestantes em Charlottesville. Ele se opôs ainda ao instinto protecionista de Trump, como fez Tillerson. H.R. McMaster, assessor de segurança nacional, não é mais visto como um freio a Trump, e comenta-se que seus dias estão contados.
No mundo de Trump, a deslealdade e a discordância acabam se confundindo. Em Pompeo, Trump tem a lealdade em pessoa. Tudo o que Trump quiser, ele fará. Pompeo sempre fez isso como diretor da Agência Central de Inteligência (CIA), cargo que supostamente deveria implicar o aconselhamento isento, e não a claque política. Apesar de todas as suas falhas, que eram muitas, Tillerson não escondia as discordâncias com Trump.
As principais delas eram os impulsos de Trump em relação a Rússia, Irã e suas desavenças com o mundo muçulmano. Não é coincidência que o último comentário de Tillerson antes de sua demissão foi concordar com a premiê do Reino Unido, Theresa May, de que era “bastante provável” a Rússia ter envenenado um ex-espião em solo britânico. Trump levou 24 horas para responder a May. Se Tillerson sabia ou não que seria demitido quando disse isso, é irrelevante.
Trump, que resiste a criticar o líder russo, Vladimir Putin, disse que ele e Tillerson “discordavam sobre muitas coisas”. Já, com Pompeo, “pensamos de maneira muito parecida. Acho que vai dar tudo certo”. Vale lembrar que May deixou subentendido que a Rússia atacou o Reino Unido, o que poderia acionar o artigo cinco da Otan de defesa coletiva. Tillerson fez seu melhor para convencer Trump a apoiar a Otan em público. Nem sempre foi bem-sucedido. Não se sabe ainda se Pompeo tentará isso.
Em segundo lugar, Pompeo é um crítico visceral do acordo nuclear com o Irã, que, segundo ele, deveria ser anulado. Ele concorda com Trump. Tillerson e Mattis diziam que anular o acordo seria desastroso. Poderia levar a uma rápida nuclearização do Irã e a uma guerra com a Arábia Saudita. Também aprofundaria as divisões entre os EUA e seus aliados europeus. As chances de Trump acabar com o acordo em algumas semanas, aumentaram bastante.
O potencial impacto sobre o previsto encontro de Trump com o líder norte-coreano, Kim Jong-un, é grande. Especialistas em Coreia do Norte dizem que Trump não tem chance de convencê-lo a desnuclearizar a península da Coreia – o objetivo explícito de Trump. Se os EUA desistirem do acordo com o Irã, Kim terá ainda menos incentivos para fechar um acordo com Trump. Os riscos de consequências beligerantes de um fracassado encontro com Kim são sérios. Quando dirigia a CIA, Pompeo falou publicamente sobre derrubar Kim.

Finalmente há o mundo muçulmano. A visão de Pompeo está alinhados ao argumento do choque de civilizações apresentado por Stephen Bannon, o ex-estrategista de Trump. Os dois são amigos. Pompeo com frequência fala a linguagem da guerra santa entre o Islã radical e o Ocidente cristão. Tillerson se manteve no “script” tradicional de alguns malvados islâmicos pervertendo a nobre religião. Aonde isso vai levar é um perigo para as relações dos EUA com Oriente Médio e além.
Ontem, Trump disse estar “mais perto de ter o gabinete que quero”. Dois homens se encontram entre Trump e uma Presidência irrestrita. O primeiro é Mattis. Sua função assume agora uma importância ainda maior. O segundo é Robert Mueller, o promotor especial. A segurança de seus empregos agora não se distingue da segurança nacional dos EUA.

http://www.valor.com.br/internacional/5383665/pompeo-vai-reforcar-linha-america-first#

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