Governo alemão compra participação em empresa

Uma carta do Ministério das Finanças alemão, a que o “Financial Times” teve acesso, relata que o investimento na CureVac tem o objetivo de garantir que a empresa não seja comprada por um investidor estrangeiro e não saia do país 

A Alemanha planeja investir € 300 milhões na CureVac e garantir participação na desenvolvedora da vacina contra o coronavírus, em uma tentativa de impedir a aquisição estrangeira da empresa depois que ela atraiu o interesse do presidente dos EUA, Donald Trump. 

Berlin informou que vai adquirir uma participação de 23% na CureVac – uma peça- chave na corrida por uma vacina para a covid-19 – no mesmo dia em que foi divulgado que o grupo privado de biotecnologia planeja fazer uma oferta pública inicial em Nova York. 

A CureVac deve iniciar os testes clínicos para a vacina da covid-19 este mês e é uma das poucas empresas que trabalham com a técnica de RNA mensageiro (mRNA), que permite produzir uma vacina mais rapidamente do que os métodos tradicionais. 

“Queremos dar segurança financeira [à empresa]”, disse ontem o ministro da Economia da Alemanha, Peter Altmaier. 

“Para mim e para o governo federal é elementar, de um ponto de vista industrial, que mantenhamos e fortaleçamos indústrias-chave na Alemanha”, disse ele. “A Alemanha não está à venda. Nós não vendemos a prata da casa.” 

Há temores crescentes de que a busca por uma vacina contra o coronavírus desencadeie confrontos geopolíticos se os países agirem segundo interesses próprios mesquinhos, em vez de adotarem uma abordagem mais colaborativa.

Uma carta do Ministério das Finanças alemão, a que o “Financial Times” teve acesso, relata que o investimento na CureVac era “extremamente urgente” porque a empresa planeja fazer uma oferta pública inicial na Nasdaq em julho. 

“A pretendida aquisição de uma participação federal na CureVac tem o objetivo de garantir que a empresa não seja comprada por um investidor estrangeiro e não saia do país”, diz o documento. 

“Teme-se que, no caso de aquisição e migração para o exterior, uma vacina contra a covid-19 desenvolvida pela CureVac no futuro não seja disponibilizada para a Alemanha e a Europa”, acrescenta. 

A CureVac, com sede em Tubinga, sudoeste da Alemanha, ainda não lançou uma vacina no mercado. O cofundador da SAP, Dietmar Hopp, detém 80% da empresa, que tem entre seus investidores a Fundação Bill & Melinda Gates. 

Em março, um jornal alemão noticiou que o governo dos EUA tentara comprar o grupo, em uma tentativa de garantir o fornecimento de uma potencial vacina, depois de um encontro de seu então executivo-chefe, Daniel Menichella, com Trump na Casa Branca. 

Berlim reagiu à notícia com fúria, mas depois a empresa negou que tenha havido uma abordagem do governo dos EUA. Em entrevista a uma revista, no entanto, Hopp não negou a informação, e Menichella deixou a empresa. 

“Não é preciso dizer que uma empresa alemã não deve desenvolver uma vacina para uso exclusivo nos EUA”, disse Hopp na época. 

A Comissão Europeia já oferecera à CureVac um financiamento de € 80 milhões, e sua presidente, Ursula von der Leyen, manifestou a esperança de que a empresa pudesse ter um produto pronto talvez antes do fim do ano. 

A CureVac foi uma das primeiras empresas a entrar na corrida por uma vacina, mas outros oito grupos já se adiantaram a ela e iniciaram testes clínicos em humanos. 

A primeira a iniciar os testes clínicos é a Moderna, firma de biotecnologia dos EUA com uma vacina de mRNA. O Imperial College de Londres também tem uma forte candidata mRNA e deve iniciar testes clínicos neste mês. Mais de 100 vacinas contra o coronavírus estão em vários estágios de desenvolvimento em todo o mundo. 

Durante o fim de semana, uma aliança europeia liderada por Alemanha, França, Itália e Holanda fechou um acordo com a gigante farmacêutica AstraZeneca para garantir até 400 milhões de doses de uma vacina para a covid-19 que está em desenvolvimento conjunto com a Universidade de Oxford. 

Em comunicado, a CureVac assegurou que o governo alemão não terá influência nas decisões empresariais apesar de seu investimento, por meio do banco de desenvolvimento estatal, o KfW. 

Hopp disse esperar que a participação do governo contribua para o crescimento das ciências da vida na Alemanha e na Europa e um “plano para um maior envolvimento de investimentos públicos e privados seja criado aqui”. 

Altmaier afirmou que o investimento não precisará da aprovação das autoridades da concorrência em Bruxelas porque é semelhante à decisão do governo alemão de comprar 20% da empresa de energia 50Hertz em 2018 para impedir que ela fosse adquirida por um grupo chinês. 

“Naquela época, agimos muito rapidamente para garantir que não perdêssemos o controle de infraestruturas críticas e [a aprovação da Comissão Europeia] não era relevante”, disse ele. 

As vacinas de RNA mensageiro usam os próprios genes do vírus para instruir o corpo humano a produzir proteínas que provocarão uma resposta imunológica. 

Outro grupo de vacinas emprega outros vírus que são geneticamente modificados para levar componentes do coronavírus para receptores humanos. Um terceiro tipo de vacina injeta proteínas de coronavírus nos pacientes para estimular uma resposta imunológica. (Colaborou Guy Chazan, de Berlim) 

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/06/16/governo-alemao-compra-participacao-em-empresa.ghtml

Comentários estão desabilitados para essa publicação