A China reduziu drasticamente o programa de empréstimos no exterior de seus dois maiores bancos de fomento, após quase dez anos de crescimento ambicioso que, em seu auge, rivalizou com o do Banco Mundial, segundo revelam novas pesquisas.
Os empréstimos concedidos pelo China Development Bank (CDB) e o Export-Import Bank of China (EIBC) despencaram a partir de um pico de US$ 75 bilhões em 2016 para US$ 4 bilhões em 2019, revela pesquisa uma pesquisa da Universidade de Boston.
A forte retração ocorre num momento em que Pequim reavalia sua Iniciativa do Cinturão e da Rota (BRI, nas iniciais em inglês), o programa que é a marca registrada do líder da China, Xi Jinping, e que financia e constrói rodovias, ferrovias e outras obras de infraestrutura predominantemente em países em desenvolvimento.
A BRI atraiu crescentes críticas em todo o mundo por fragilidades como a concessão de empréstimos a países de baixa renda com instabilidade financeira, e pela falta de transparência ou de estudos de impacto social e ambiental sobre os projetos financiados.
Kevin Gallagher, diretor do Centro de Política de Desenvolvimento Global da Universidade de Boston, que reuniu os dados, disse que a guerra comercial do governo chinês com os EUA também pesou na drástica mudança.
“Em 2018 e [20]19, havia tanta incerteza devido à guerra comercial com os EUA que eles podem ter optado por manter os ativos em dólar em casa”, disse ele.
Segundo relatório recente do centro de análise e pesquisa Overseas Development Institute (ODI), Pequim está percebendo que seu enfoque para com a concessão de financiamento é insustentável.
“O velho… modelo, segundo o qual os interesses das empresas chinesas e das elites locais prevalecem sobre o bem do país tomador, que arca com um risco desproporcional alto de fracasso do projeto, se tornará ainda mais insustentável em meio à capacidade reduzida dos países de assumir dívida e risco”, aponta o relatório do ODI.
A China tem três bancos de fomento que impulsionam os investimentos em infraestrutura internamente e no exterior: os dois bancos analisados pela Universidade de Boston e o Agricultural Development Bank. Eles podem emprestar no exterior a condições favoráveis, mas, mais frequentemente, emprestam a taxas de juros próximas às comerciais.
Os empréstimos concedidos pelo CDB e EIBC totalizaram US$ 462 bilhões entre 2008 e 2019, segundo os dados, que foram publicados ontem – pouco menos que os US$ 467 bilhões emprestados pelo Banco Mundial a países de baixa e média renda durante o período.
Mas os padrões precários de governança muitas vezes associados aos empréstimos chineses a projetos da BRI contribuíram para uma série de escândalos e de reclamações dos países devedores.
Por exemplo, o Paquistão – um dos maiores tomadores de empréstimos da BRI – alegou que empresas chinesas inflaram os custos dos projetos de geração de energia elétrica em bilhões de dólares; o país tenta renegociar as condições de pagamento. O governo paquistanês acusou os chineses e as empresas locais de energia elétrica de “negligência profissional” e custos exagerados. Vários projetos de alto custo na Malásia também estão atolados em polêmicas.
Yu Jie, pesquisadora-visitante sobre a China no centro britânico de análise Chatham House, disse que empresas e bancos estatais estão deslocando seus recursos para projetos domésticos, e não no exterior. A política econômica de Pequim mudou nos últimos anos a partir da ênfase no crescimento puxado por exportações para investimento e consumo internos.
“Os critérios sobre a viabilidade comercial dos projetos serão muito mais rígidos ”, disse Yu. “No passado o importante era usar recursos financeiros para ampliar a influência política da China. Agora serão os ganhos comerciais que importarão mais.”
Yu afirmou que a China enfrenta “danos enormes à reputação” decorrentes da BRI: “Sua natureza expansionista alarmou o resto do mundo, e o governo não conseguiu formular um plano transparente e explicar sua diplomacia”.
A opinião pública chinesa também é um obstáculo aos empréstimos no exterior, disse ela, uma vez que as autoridades e a população perceberam que a China precisa investir mais em seus serviços de saúde, postos à prova pela pandemia de covid-19.
As operações de financiamento da China se concentraram em um número relativamente pequeno de países, com apenas dez respondendo por 60% do total, segundo o estudo da Universidade de Boston. Os empréstimos à Venezuela, a maior receptora, constituíram mais de 12,5%, seguidos por Paquistão, Rússia e Angola.
Os projetos financiados eram principalmente voltados para transportes e outras infraestruturas, mineração e extração de petróleo, incluindo oleodutos, e geração e transmissão de energia elétrica.
Dos 858 empréstimos identificados pelos pesquisadores de Boston, 124 contemplaram projetos em áreas nacionalmente protegidas, 261 se voltaram para habitats decisivos e 133 se situaram no âmbito de terras de povos indígenas.