O Facebook contratou Nick Clegg, ex-vice-primeiro-ministro do Reino Unido, para chefiar sua equipe de comunicação e assuntos internacionais, diante da escalada dos problemas relacionados à proteção de dados pessoais e à ameaça de maior interferência do governo em seu negócio.
Clegg, que tem 51 anos e possui a condecoração britânica de “sir”, vai mudar para o Vale do Silício em janeiro para substituir Elliot Schrage, que anunciou em junho sua saída após dez anos na empresa, como mostrou artigo do Financial Times assinado por George Parker e Tim Bradshaw
Seu recrutamento foi uma surpresa tanto para o mundo político britânico
quanto para o Vale do Silício e sua insular e fechada indústria tecnológica, onde poucos políticos europeus gozam de notoriedade.
Em comentário no Facebook, Clegg disse que a companhia americana precisa enfrentar questões como o papel da tecnologia na sociedade “não agindo sozinha no Vale do Silício, mas trabalhando com pessoas, organizações, governos e autoridades reguladoras pelo mundo para assegurar que a tecnologia seja uma força para o bem”.
O ex-vice-primeiro-ministro liderou o Partido Liberal-Democrata na coalizão com o Partido Conservador de David Cameron entre 2010 e 2015, mas perdeu seu assento no Parlamento nas eleições gerais de 2017.
Ele aceitou o cargo após meses de abordagens de Mark Zuckerberg. O CEO do Facebook prometeu a Clegg papel decisivo na definição da estratégia da empresa.
A diretora de operações do Facebook, Sheryl Sandberg, disse que Clegg é um “líder talentoso e ponderado”. “[Ele] compreende profundamente as responsabilidades que temos com as pessoas que usam nosso serviço pelo mundo.”
Ela também reconheceu que o Facebook precisa trazer sangue novo para ajudar a empresa a administrar seus muitos problemas. “Nossa companhia está em uma jornada crucial. Os desafios que enfrentamos são sérios e claros e, agora, mais do que nunca, precisamos de novas perspectivas para ajudar-nos a atravessar este momento de mudança.”
A contratação de Clegg para a coesa equipe de liderança do Facebook é a de maior hierarquia para alguém de fora das fileiras da empresa desde 2014, quando o ex-presidente do PayPal David Marcus foi recrutado para comandar o Messenger.
A decisão do Facebook de contratar “sir” Nick, que já foi membro do Parlamento Europeu e negociador de comércio exterior da Comissão Europeia, sinaliza que a empresa tenta reforçar suas conexões com Bruxelas, onde se depara com batalhas cada vez maiores sobre privacidade de dados, desinformação na internet e discursos de ódio.
A comissária de Justiça da União Europeia, Vera Jarouva, encarregada entre outras questões da proteção de dados pessoais e da integridade das eleições, disse em 2017 ter apagado sua conta no Facebook porque o site havia se tornado uma “estrada para o ódio”.
Em setembro, Bruxelas divulgou uma nova lei obrigando nomes como Facebook e YouTube a retirar conteúdo terrorista e material ilegal pelo menos uma hora depois de sua detecção. Até agora, contudo, a UE evitou impor regras contra as notícias falsas e os discursos de ódio.
Uma resolução a ser votada pelos parlamentares europeus na próxima semana também vai defender que a UE “atualize suas regras de concorrência” para examinar se as plataformas de mídias sociais exercem poder de “monopólio”.
Entre as outras crises enfrentadas pelo Facebook nos últimos dois anos estão as acusações sobre interferência russa e notícias falsas influenciando a eleição americana em 2016, o escândalo de uso indevido de dados pela Cambridge Analytica e, mais recentemente, o ciberataque que expôs informações pessoais de 30 milhões de usuários.
Paralelamente, dois altos executivos de comunicação e políticas da empresa anunciaram sua saída: Elliot Schrage e Rachel Whetstone. Schrage, aliado próximo da diretora de operações Sandberg, informou seu desligamento em junho, depois de dez anos na companhia. Whetstone, que havia trabalhado no Google e Uber, foi indicada diretora de comunicação da Netflix em agosto.
Além da saída da dupla, houve várias outras importantes neste ano, incluindo os fundadores das três maiores aquisições do Facebook – WhatsApp, Oculus e Instagram. Em maio, houve ainda uma rara reformulação administrava.
Zuckerberg e Sandberg foram criticados pelo que inicialmente foi visto como uma reação demasiado lenta às revelações da Cambridge Analytica, sendo convocados a prestar contas a autoridades reguladoras e políticos nos Estados Unidos e Europa.
Desde então, a empresa restringiu o acesso de programadores a dados em sua plataforma e lançou ferramentas para verificar anunciantes políticos nos EUA, Brasil e, apenas nesta semana, no Reino Unido.
As tentativas do Facebook para limitar a manipulação política em seus aplicativos e sites vão enfrentar seu próximo grande teste em novembro, com as eleições de meio de mandato nos EUA.
Clegg vai somar-se a um grupo de executivos há muito tempo atuando no Vale do Silício, que inclui Jonathan Ive, chefe de projetos na Apple, e Whetstone, que é casada com Steve Hilton, um ex-assessor de Cameron, que virou comentarista político nos EUA e empreendedor na área de tecnologia.
O ex-vice-primeiro-ministro britânico pode ser visto como uma escolha incomum para o cargo, dada sua experiência limitada na política americana. Ainda assim, Clegg poderia ajudar a suavizar as críticas de que Zuckerberg é muito fechado e faz poucas mudanças em seu círculo mais próximo.
Ele também poderá assessorar a empresa sobre como lidar com as autoridades europeias e como navegar pelos obstáculos legais do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD).
O Facebook já tem elos com os liberais-democratas no Reino Unido. Richard Allan, chefe de políticas públicas da empresa na Europa, Oriente Médio e África, era um parlamentar liberal-democrata. Clegg sucedeu Allan como deputado por Sheffield Hallam.
Clegg, que defende um segundo plebiscito no Reino Unido para reverter sua saída da União Europeia, vai começar a trabalhar para o Facebook em Londres daqui a algumas semanas, antes de mudar-se com sua mulher, Miriam González, uma advogada bem-sucedida, e seus três filhos.
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