Ao embarcar para uma viagem de 12 dias ao Vale do Silício, em fevereiro deste ano, a executiva Christiane Aché não imaginava que tomaria uma decisão radical em sua carreira. Foi, porém, exatamente o que aconteceu – alguns dias após voltar para o Brasil, ela pediu demissão do cargo de diretora de finanças estruturadas em uma grande multinacional americana e decidiu apostar em projetos fora do mundo corporativo.
“A experiência me abriu os olhos para um mundo inteiro a ser explorado além da minha carreira em multinacionais”, diz Christiane, que hoje divide seu tempo entre atividades de consultoria, mentoria a coordenação de um curso de pós-MBA para mulheres conselheiras. A viagem que mudou seu propósito de carreira foi a primeira do gênero organizada pela plataforma Knowledge Exchange Sessions (KES), que promove eventos e programas corporativos customizados com foco em inovação. O grupo de Christiane tinha 32 altos executivos e uma forte presença de CEOs de empresas nacionais como Cacau Show, O Boticário e Bauducco, além de líderes de multinacionais como Microsoft e GE, como mostroi matéria assinada por Vivian Soares, publicada no Valor de 2/10.
O objetivo desse tipo de programa, segundo Ricardo Al Makul, CEO da KES, é promover mudanças de cultura, inspirando gestores a atualizarem seus modelos de negócios e a engajarem seus pares e liderados com novas propostas de inovação. “Muito do que se vê no Vale do Silício são histórias de liderança e coragem. A viagem é muito enriquecedora ao desenvolver essa coragem de inovar nos participantes”, diz.
O formato das excursões ao Vale do Silício surge como alternativa aos cursos tradicionais de curta duração oferecidos pelas escolas de negócios. Feito sob medida e focado no aprendizado na prática, esse tipo de programa se distancia das salas de aula e dos estudos de caso, ao levar executivos para situações reais de um mundo dos negócios cada vez mais disruptivo – uma das grandes inquietações dos líderes de grandes empresas.
De visitas a gigantes de tecnologia como o Google a pequenas startups ainda desconhecidas, palestras em um laboratório de neurociência e em uma escola de programação para jovens talentos, o repertório das missões é intenso e variado. “Eram quatro conteúdos diferentes por dia, e ao final o grupo fazia uma sessão de networking e de troca sobre o aprendizado de cada um”, afirma Christiane.
Ricardo al Makul explica que, apesar de ter sido focado na alta liderança, esse tipo de viagem tende a se democratizar cada vez mais e a atingir outros níveis da organização. O próprio contato dos CEOs com o programa vem fazendo com que eles retornem ao Brasil querendo reproduzir a experiência em seu time de liderados. É o caso do Itaú Unibanco, que já realizou uma dezena de visitas de executivos ao Vale do Silício depois que o ex-presidente e atual co-presidente do conselho de administração do banco, Roberto Setúbal, fez uma viagem semelhante.
O diretor executivo de pessoas do Itaú, Sergio Fajerman, explica que as viagens começaram há pouco menos de dois anos, e equipes de TI, RH e negócios já foram ao Vale, sempre com programação adaptada às especificidades de cada departamento. “Há uma gama de oportunidades a serem exploradas. Dessas visitas surgem ideias, contratação de serviços e até oportunidades de aquisição de empresas”, afirma. Os participantes são, em sua maioria, altos executivos do banco.
Fajerman ressalta que não se trata de um projeto ou programa organizado institucionalmente – as próprias equipes tomam a iniciativa de fazer os contatos com parceiros e empresas a serem visitadas e decidem a programação. A ideia, porém, é estimular outras viagens e fazer com que elas atinjam outras áreas e níveis da organização. “Estamos estudando algumas propostas de parcerias, programas mais estruturados que fazem uma mescla de visitas, cursos e networking no Vale do Silício”, afirma. Um formato mais completo, segundo ele, incluiria também a sala de aula para promover um aspecto teórico entre as visitas práticas e promover a reflexão entre os participantes.
O público desse tipo de programa, no entanto, pode variar. Alguns são desenhados, inclusive, para a formação de sucessores. Este ano, a Therèse, consultoria focada em futuro do trabalho, levou ao Vale um grupo de 10 herdeiros de uma grande empresa de capital nacional. “Há um fenômeno interessante acontecendo no Brasil que é o de empresas tradicionais preocupadas com sua longevidade e tentando se reinventar por meio da inovação”, afirma Isabel Armani, fundadora da Therèse.
O programa para a jovem geração de líderes foi desenhado e discutido entre a consultoria e os participantes com meses de antecedência. A proposta era apresentar um percurso de visitas e aprendizado que estivesse diretamente ligado aos interesses pessoais de cada um, que variavam entre moda, automobilismo e esportes. “Nesse caso específico, eles já não queriam visitar gigantes como Facebook ou AirBnB porque entendem que o segredo da inovação está nas empresas menores que em breve serão relevantes”, explica.
Além de companhias, os jovens visitaram a escola de design da Universidade de Stanford e projetos de empreendedorismo social. “O Vale do Silício ensina o valor do propósito e do engajamento. A maior parte das empresas que estão lá querem fazer a diferença no mundo, e o empreendedorismo social traz essa visão de cadeia que se retroalimenta”, diz.
O impacto social ou o propósito por trás de projetos ou empresas também foi o que influenciou a decisão de Christiane Aché de sair do mundo corporativo. Ela explica que a missão ao Vale do Silício a fez enxergar novos modelos de negócio que permitem que as pessoas vivam melhor e com mais equilíbrio. “O que mais estou adorando em minha ‘nova vida’ é que posso causar impacto sobre uma gama muito maior de pessoas. Descobri que existe vida inteligente fora do mundo corporativo e me deparei com muitos preconceitos que tinha ao estar mergulhada demais nesse universo”, relembra.
Outro motivo que leva executivos a buscar mais esse tipo de programa é a necessidade de se inspirar em novos modelos para lidar com a crise. Jorge Muzy, presidente do Instituto Valor, que em setembro levou um grupo de 120 pessoas para o Vale, afirma que os empresários veem no programa a chance de buscar alternativas para serem bem-sucedidos em um mercado deprimido.
“Existem três públicos principais para esse tipo de missão: os altos executivos que buscam inovar para levar a empresa a um nível mais competitivo; profissionais mais técnicos que querem conhecer novidades no mercado, melhorar tecnologias e processos; e o que mais tem crescido, os empreendedores ou futuros empresários que buscam tecnologias e produtos para trazer para o Brasil”, diz.
Ricardo Al Makul, CEO da KES, explica que as expectativas de muitos executivos antes da viagem são de visitar empresas mais conhecidas como Google e Twitter, mas as experiências mais marcantes no fim do programa acabam sendo de organizações e projetos desconhecidos do grande público. “O pensamento disruptivo pode vir de qualquer lugar, e esse é um dos aprendizados dessa experiência”, afirma, citando uma academia onde os executivos puderam montar seus próprios robôs.
A ideia era mostrar um modelo de negócios que dá ao consumidor a capacidade de produção. Ele explica que, após as visitas, os participantes são convidados a fazer uma sessão de ‘download’, em que todos se reúnem para discutir o aprendizado de cada experiência e o que podem aplicar em suas próprias empresas. “É preciso dar continuidade ao debate, senão o executivo volta ao cotidiano de trabalho e fica angustiado sem saber como aplicar tanta informação”, diz.
Em breve, conta Al Makul, a experiência do Vale do Silício deve ser ampliada também para outras regiões do mundo conhecidas pela inovação. Em outubro, a KES organiza uma viagem em grupo para um polo de inovação em Israel. Além de sediar centros de pesquisa de empresas como Apple e Facebook, a região desponta como uma fonte de projetos e startups em áreas variadas como segurança da informação e veículos autônomos.