Evergrande: os efeitos das restrições impostas ao setor imobiliário por Pequim

Quando bolhas de ativos estouram, geralmente seguem um roteiro familiar. Os especuladores vão longe demais e os preços chegam a alturas vertiginosas, até a força da gravidade financeira ser restaurada com um estrondo. Só então os governos pensam em intervir para proteger o interesse público ou salvar uma empresa grande demais para falir. 

No entanto, o aprofundamento da crise em torno da chinesa Evergrande, a empresa do setor imobiliário mais endividada do mundo, segue uma narrativa diferente. 

São as restrições impostas por Pequim ao setor imobiliário que estão por trás da trajetória arrepiante da Evergrande. A ansiedade sentida pela empresa, seus credores e investidores no mercado de ações não diminuirá até Pequim decidir que certo patamar de sofrimento foi atingido. 

“Investidores perguntam, com razão, qual é o patamar de Pequim para essa dor, em termos da desaceleração do crescimento econômico, que faria as autoridades reverterem o curso e aliviar os controles sobre o setor imobiliário”, disse Logan Wright, um diretor da firma de consultoria Rhodium Group, com sede em Hong Kong. 

“Esse ponto de virada na política [econômica] ainda está longe”, acrescentou. “É mais provável que Pequim espere a materialização de sinais de estresse financeiro do que atue preventivamente”. 

A Evergrande, que tem mais de US$ 300 bilhões em dívidas com credores e 778 projetos em andamento em 223 cidades, vem sofrendo uma surra. Ontem, suas ações negociadas em Hong Kong chegaram a cair 18,9%, para o patamar mais baixo em cerca de dez anos. A agência de risco de crédito Fitch reduziu fortemente a classificação dos títulos de dívida da empresa e advertiu que algum tipo de inadimplência “parece provável”. 

Ainda há, contudo, grandes dúvidas. Será que a empresa conseguirá honrar os US$ 129 milhões em pagamentos de juros relativos a títulos que vencem neste mês ou os US$ 850 milhões devidos no restante de 2021? Será que os pagamentos aos detentores dos títulos terão prioridade em relação aos devidos em “produtos de gestão de fortunas”, em mãos de dezenas de milhares de especuladores chineses, muitas vezes de baixa renda? 

Naturalmente, Pequim – que exerce a influência final sobre um setor bancário quase inteiramente estatal – pode emitir um decreto a qualquer momento para socorrer a Evergrande. 

A maioria dos analistas, porém, acha que Pequim pretende apertar ainda mais a empresa. Decidiu fazer da Evergrande um exemplo, para deixar claro a outras incorporadoras imobiliárias que leva a sério as “três linhas vermelhas” traçadas em 2020 para reduzir os níveis de dívida no setor e domar o excesso crônico de oferta de metros quadrados residenciais. 

Por outro lado, está igualmente claro que Pequim não pode se dar ao luxo de ir longe demais. O setor imobiliário contribui com 29% do Produto Interno Bruto (PIB) e qualquer tipo de destruição da Evergrande prejudicaria todo o setor, além de atrasar a recuperação do crescimento pós-pandemia. 

Assim, Pequim está empenhada em um exercício de equilibrismo altamente delicado. É preciso infligir dor suficiente para mostrar que está falando sério, mas não a ponto de afogar um dos motores mais importantes do crescimento econômico. Por James Kynge Financial Times

https://valor.globo.com/financas/noticia/2021/09/21/os-efeitos-das-restricoes-impostas-por-pequim.ghtml

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