Europa trata refugiados com “jogo do empurra”

A vantagem ficou para os traficantes de pessoas. Maissa, 30, partiu de Damasco, Síria, em junho. Andou horas a pé, dormiu em floresta, percorreu quilômetros de carro e atravessou o Egeu de barco até conseguir entrar num avião com uma identidade europeia falsa.

Começou ali o périplo de refugiada da guerra civil que deixou para trás o marido e três filhos pequenos, decidida a abrir o caminho para trazer a família à Europa, como mostrou matéria de Debora Berlinck, na Folha de São Paulo, edição de 13 de setembro.

Maissa é uma entre os milhares de refugiados sírios que arriscam a vida na travessia marítima rumo a uma vida nova na Europa. Pertence à minoria cristã, perseguida por extremistas como a milícia Estado Islâmico.

“Tomei a decisão certa. O Estado Islâmico está a 50 km do vilarejo onde vivia, Bassir. Em dois anos, não acho que sobrará um cristão na Síria.”

Confrontada com a maior onda de refugiados e imigrantes desde a Segunda Guerra, a Europa mergulhou em um jogo de empurra-empurra.

A Grécia, quebrada, fecha os olhos para traficantes e facilita o transporte de refugiados para a Macedônia, que os despacha para a Sérvia, que por sua vez os empurra para a Hungria. Cerca de 10 mil pessoas estão hoje na fronteira entre a Hungria e a Áustria.

De um obstáculo para outro, refugiados e imigrantes desembarcam no litoral sul da Europa. Mais de 380 mil cruzaram o Mediterrâneo em 2015, segundo o Acnur, braço da ONU para refugiados. Ao menos 2.600 morreram.

Pressionada pela opinião pública, a União Europeia propõe aumentar sua cota de acolhimento de 40 mil para 160 mil refugiados. Nesta segunda (14), o bloco debate como fazer 22 de seus 28 membros aceitarem repatriados.

Países como Hungria, Polônia, República Tcheca e Eslováquia não querem. Para eles, a repartição dos estrangeiros tem que ser voluntária. O governo húngaro, um dos mais afetados pela crise, ameaça prender todos os clandestinos que chegarem.

Enquanto governos debatem, traficantes enriquecem com a miséria alheia.

“Em Atenas, por € 3.500 ou € 4.000 (até R$ 17 mil), eles vendem um passaporte búlgaro, romeno ou português e uma passagem de avião. Nem colam sua foto, é a foto de alguém parecido. Você tenta a sorte no aeroporto”, diz Lama, 46, prima de Maissa.

Moradora da Suíça, Lama foi à Grécia ajudar a prima: levou dinheiro e negociou com traficantes. No caminho, conseguiram com sobreviventes os telefones de quem vende passaporte falso e dos que oferecem a travessia.

Tem gente ganhando dinheiro até com venda de bicicleta com cestinha para pôr criança refugiada. Lama tem os contatos. “Tenho o direito de fazer isso. Se não salvar minha família, quem o fará?”

Um mapa circula entre os recém-chegados, detalhando os obstáculos no caminho para a Alemanha, aonde a maioria quer chegar. Na fronteira da Sérvia com a Hungria, a recomendação é: corra.

Na Turquia, Maissa pagou € 2.100 para chegar a Rodes, no mar Egeu. Depois de um dos barcos bater nas pedras e outro afundar, ela chegou em uma terceira embarcação superlotada à ilha grega.

Havia 30 mulheres e crianças na cabine escura e fechada. “Não podíamos abrir as duas pequenas janelas, pois a água entrava” conta.

De Rodes, ela foi a Mikonos e deixou a Grécia, pegando um voo entre os turistas.

Agora Lama quer trazer mais parentes que ficaram em Aleppo, norte da Síria.

Em 2009, o sobrinho Shadi, 19, obteve um visto de turista e nunca mais voltou da Suíça. Hoje ele tem documento de refugiado e vive com ela.

Em três anos, Shadi aprendeu francês, fez vestibular e começa a cursar medicina. Ele diz sentir falta dos pais e dos dois irmãos, mas afirma ter sorte de estudar na Suíça e tentar um futuro melhor.

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