O governo do presidente Joe Biden prepara-se para anunciar seu primeiro grande plano de estratégia econômica para a Ásia–Pacífico, iniciativa muito aguardada pelos aliados dos EUA e pelas empresas americanas que veem com inquietação a crescente influência da China na região
Com o Esquema Econômico para o Indo-Pacífico, os EUA almejam trabalhar mais de perto com nações amigas e preencher a lacuna na estratégia americana para a Ásia deixada após o país ter abandonado a Parceria Transpacífico (TPP), na sigla em ingles, criada como contrapeso à China.
Embora ainda falte divulgar os detalhes do plano, não se acredita que o esquema seja uma tentativa de levar os EUA de volta à TPP. Economistas, diplomatas e especialistas em comércio exterior avaliam que o governo Biden terá pela frente uma dura batalha para criar um pacto eficaz, que agrupe as várias economias asiáticas na criação de regras de conduta para o comércio e as novas tecnologias.
O presidente Biden não deverá oferecer aos parceiros comerciais reduções nas tarifas ou outras ferramentas tradicionais de abertura do mercado, que enfrentam a oposição de grupos trabalhistas americanos e seus aliados democratas, assim como de alguns republicanos, para os quais oferecer isso viria à custa de empregos e da produção industrial americana.
Por sua vez, essas chamadas medidas de acesso ao mercado são consideradas essenciais para que os EUA construam relações mais fortes na região, em particular, com países menos desenvolvidos, do Sudeste Asiático e do Sul da Ásia, que desejam vender mais bens manufaturados e agrícolas no mercado americano.
“O acesso ao mercado poderia ser uma das importantes recompensas que os países na região esperariam de uma liderança dos EUA”, disse o ministro do Comércio da Coreia do Sul, Yeo Han-koo, em dezembro, após reunião com autoridades americanas.
Sem medidas de acesso ao mercado, o esquema pode se tornar mais um clube para os EUA e seus aliados ricos, como Japão, Austrália, Nova Zelândia e Cingapura, que já atuam com base em valores e normas semelhantes, segundo alguns diplomatas e economistas.
“A verdadeira questão é: ‘Como trazer países como Vietnã e Indonésia para dentro disso?’”, disse Bill Reinsch, do centro de estudos Center for Strategic and International Studies. “Acho que esses serão países cautelosos, que irão ‘esperar para ver’, para avaliar como a entrada nesse tipo de compromisso se desenrola”.
O governo Biden vê o novo esquema para o Indo-Pacífico como um passo importante nos esforços dos EUA para ir além dos laços de segurança na contenção às crescentes ambições da China na Ásia.
Em 2021, Biden incrementou a já grande presença dos EUA na região ao fortalecer o grupo “Quad” – que inclui Índia, Japão e Austrália – e ao criar um novo pacto de construção de submarinos com a Austrália e o Reino Unido. Ainda assim, carece de uma estratégia econômica abrangente desde que saiu da TPP em 2017 por decisão do presidente Donald Trump – que chamava o acordo fechado pelo seu antecessor, o democrata Barack Obama, de “um estupro do nosso país”.
O novo esquema surge no momento em que a China reforça sua diplomacia econômica na região. Nos últimos meses, a China se postulou para aderir a uma nova versão da TPP e ao Acordo de Parceria da Economia Digital (Depa), uma aliança entre Nova Zelândia, Chile e Cingapura vista como modelo para futuros pactos de comércio digital. A China também promove com força seu papel na Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP), um pacto comercial de 15 países lançado em janeiro.
As medidas de Pequim pró-comércio exterior têm alimentado preocupações entre empresas americanas e aliados próximos. Elas temem que a ausência dos EUA em acordos comerciais regionais dê a Pequim uma abertura para estabelecer sua liderança na criação de normas e padrões para o comércio exterior e a economia, particularmente em tecnologias emergentes como inteligência artificial e comércio digital.
Biden revelou a ideia do novo esquema econômico durante a Cúpula do Leste da Ásia, em outubro, e deverá divulgar os detalhes nas próximas semanas.
“Este é um aspecto incrivelmente importante em nosso esforço para garantir uma região livre e aberta”, disse Laura Rosenberger, diretora sênior para a China no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, em discurso recente no instituto National Bureau of Asian Research (NBR).
Rosenberger enfatizou “a importância de uma liderança dos EUA no estabelecimento das regras… de forma a que não deixemos a China colocar os trabalhadores e empresas dos EUA em desvantagem no longo prazo”.
O esquema será estruturado como um conjunto de acordos individuais, que as nações da região podem selecionar e optar por assinar. Provavelmente excluirá reduções tarifárias e outras medidas de abertura de mercado, que exigem a aprovação parlamentar.
A representante de Comércio dos EUA, Katherine Tai, encabeçará a definição das questões de comércio exterior no esquema, o que inclui comércio digital, padrões trabalhistas e facilitação do comércio. A secretária de Comércio, Gina Raimondo, supervisionará as questões de cadeias de abastecimento, infraestrutura, redução das emissões de carbono, impostos e combate à corrupção.
Para elaborar essa estratégia, o governo precisa encontrar um equilíbrio entre as demandas dos parceiros comerciais, empresas e trabalhadores dos EUA e da ala esquerdista do Partido Democrata.
Associações empresariais americanas têm feito lobby pela inclusão de fortes disposições sobre comércio digital no esquema, na esperança de que isso sirva para garantir a liderança dos EUA em tecnologias emergentes, como inteligência artificial e 5G.
Charles Freeman, vice-presidente sênior para a Ásia da Câmara de Comércio dos EUA, diz que um acordo digital deve estar “na frente e no cerne” dessa abrangente estratégia. “Há muito que precisa ser feito para nos fazer voltar a ter algum tipo de paridade competitiva com a China”, disse ele.
Mas alguns democratas temem que o esquema possa se tornar um canal alternativo para a adoção, sem a aprovação do Congresso, de regras importantes, relacionadas ao comércio digital e outras áreas, com impacto negativo em trabalhadores e consumidores.
Alguns governos da região, como Japão, Austrália e Cingapura, vêm pressionando os EUA a voltar à TPP, embora a Casa Branca descarte a ideia, citando a falta de apoio por parte dos dois grandes partidos no Congresso americano e a oposição dos sindicatos.
Por enquanto, esses governos dão boas-vindas aos sinais de maior envolvimento econômico de Biden com a região. “Na falta de uma volta à TPP, há muitas áreas em que os EUA podem desempenhar um papel de liderança”, disse Koji Tomita, embaixador do Japão nos EUA, em uma recente conferência.