Os EUA e a Rússia vão negociar limites ao que é agora considerada uma espécie de nova corrida armamentista no mundo, com as ciberarmas. O tema ocupou boa parte da cúpula ontem entre os presidentes Joe Biden e Vladimir Putin, realizada em Genebra. A tensão e as divergências sobre ciberataques e direitos humanos eram visíveis.
Ao final de mais de três horas de discussões diretas, Biden e Putin concordaram que Washington e Moscou terão negociações bilaterais tanto para prevenir ataques cibernéticos como sobre o controle de armas nucleares, seus embaixadores voltarão aos postos nos próximos dias e poderá haver troca de prisioneiros detidos nos respectivos países. Também buscarão organizar um corredor humanitário na Síria para levar alimentos a populações cada vez mais famintas.
Não houve nada além da expectativa já modesta para o encontro, mas os dois lados pareciam satisfeitos com a realização da cúpula, organizada pelos suíços numa antiga mansão do século 18, no maior parque de Genebra e com vista para o Lago Leman. A reunião acabou mais de uma hora antes do que os assessores haviam previsto.
Putin foi o primeiro a falar à imprensa, por quase uma hora, quase levando a pensar que queria fazer Biden esperar por sua vez. Ele disse que o encontro ocorreu sem hostilidade e foi positivo e eficaz. E que os dois não juraram amor eterno, mas que compreendem sua responsabilidade na estabilidade estratégica mundial. Rússia e EUA detêm 90% das ogivas nucleares
O líder russo elogiou as qualidades morais de Biden e descreveu a abordagem do presidente americano com pragmática e bem equilibrada. Mas acrescentou que era “difícil dizer” se as relações entre Rússia e EUA vão melhorar como resultado desse encontro.
De seu lado, Biden enfatizou que a relação bilateral deve ser estável e previsível, disse que não fez ameaças, mas deixou claro a Putin os limites que Washington não aceita que sejam violados.
A retomada de negociações de um mecanismo para reduzir o risco de conflito nuclear por descuido era esperada. Mas pela primeira vez entrou no topo da agenda a questão de segurança cibernética, levantada por Biden na esteira de ataques à infraestrutura americana, desde gasodutos, frigoríficos, internet e até hospitais.
Biden apontou a Putin alvos que deveriam ficar fora dos limites de ataques. Os EUA querem proteger ao menos 16 áreas críticas, de redes elétricas a tubulações de água e energia, usinas nucleares e sistemas de controle de armas nucleares. Indagado sobre sanções que Washington adotaria, se a Rússia não aceitasse esses limites, Biden respondeu que deixou claro a Putin sobre a enorme capacidade cibernética americana. “Se eles desrespeitarem, vamos responder.”
O presidente americano disse não ter certeza se que Putin mudará seu comportamento sem a pressão das democracias mundiais. “Este não é um momento kumbaya [mágico]”, disse Biden a Putin. “Mas claramente não é do interesse de ninguém, do seu país ou do meu, que estejamos em uma situação de outra Guerra Fria.”
Putin negou que Moscou tenha tido um papel nos ciberataques contra instalações americanas. E reclamou que a própria Rússia é vítima nesse caso. “A maioria dos ciberataques são lançados desde os EUA, depois Canadá e em terceiro lugar do Reino Unido”, acusou. “Enfrentamos ameaças semelhantes envolvendo infraestruturas de saúde na Rússia.”
A discussão, segundo Putin, deve focar sobre quem assume a responsabilidade desse tipo de ataque. Ele disse que Moscou recebeu dez pedidos de informações sobre ciberataques contra alvos americanos, e respondeu todos. Ao mesmo tempo, fez 45 queixas aos EUA e não obteve uma só resposta.
Outra questão forte da cúpula foi sobre direitos humanos na Rússia. Biden relatou ter advertido Putin que será devastador para a Rússia se o líder oposicionista, Alexei Navalny, morrer na prisão. O presidente russo, por sua vez, insistiu que “essa pessoa” (Navalny) sabia que violava as regras que existem no país. E aproveitou para reclamar de mortes de pessoas nos EUA pela polícia, comparação que Biden considerou “ridícula”.
O presidente russo refutou inquietações americanas sobre uma militarização do Ártico. Negou vontade de limitar a passagem por águas russas de navios que desejem passar pela rota naval do Ártico. Segundo Putin, algumas recusas de autorização foram para “proteger o meio ambiente”.
Biden abordou ainda a soberania territorial da Ucrânia, preocupação com os rumos ditatoriais em Belarus e vários outros temas. Disse que após duras horas, perceberam que passaram em revista um bom número de temas. Agora é esperar para ver o que vai acontecer de fato nos próximos meses. (Com agências internacionais)
https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/06/17/eua-e-russia-retomam-negociacoes-diretas.ghtml