EUA e China trocam ameaças de sanções por causa de Hong Kong

O governo dos EUA disse que não pode mais certificar a autonomia política de Hong Kong em relação à China. A iniciativa poderá desencadear sanções e ter consequências de longo alcance para o status da antiga colônia britânica. 

O secretário de Estado americano, Mike Pompeo, anunciou a decisão ontem, uma semana após Pequim ter declarado sua intenção de aprovar uma lei de segurança que restringe direitos e liberdades dos cidadãos de Hong Kong. 

“Nenhuma pessoa razoável pode afirmar que Hong Kong mantém hoje um alto grau de autonomia em relação à China, diante dos fatos concretos”, disse Pompeo. 

A medida ocorre num momento em que as tensões entre as duas maiores economias do mundo estão crescendo, alimentadas por acusações do presidente Donald Trump de que a China teria sido lenta em divulgar a ameaça representado pelo coronavírus. Trump ameaçou com consequências para Pequim por seu tratamento à pandemia e, mais recentemente, por suas iniciativas para impor maior controle sobre Hong Kong. Ontem, a Câmara dos Deputados dos EUA aprovou, por 413 votos a 1, autorização para sanções contra autoridades chinesas por conta da violação de direitos humanos contra a minoria muçulmana na China. Não está claro se Trump adotará as sanções. 

A decisão de Pompeo abre espaço para uma série de alternativas, desde restrições à concessão de visto e congelamentos de ativos de autoridades até a possível imposição de tarifas sobre produtos provenientes de Hong Kong. 

“Os EUA estão ao lado da população de Hong Kong na sua luta contra a crescente recusa, pelo PCC, da autonomia que lhes foi prometida”, disse Pompeo, citando o Partido Comunista chinês. 

A China não comentou a decisão americana, mas ameaçou retaliar qualquer nova sanção. “Se alguém insistir em prejudicar os interesses da China, a China está determinada a promover todas as contramedidas necessárias”, disse Zhao Lijian, o porta-voz do ministério das Relações Exteriores. “A lei de segurança nacional para Hong Kong é um assunto puramente interno da China, que não permite qualquer interferência externa.” 

Em outro ponto de conflito entre EUA e China, a diretora financeira da Huawei Technologies, Meng Wanzhou, não conseguiu na Justiça canadense encerrar o processo de extradição para os EUA. Ela continua assim em prisão domiciliar em Vancouver.  

Com relação a Hong Kong, o governo Trump provavelmente se concentrará em sanções financeiras e restrições a vistos a autoridades chinesas, evitando medidas referentes a tarifas, controles sobre exportações e restrições a investimentos enquanto não houver mais clareza sobre a nova lei de segurança, segundo David Levinger, um ex-especialista em China do Tesouro dos EUA que agora é analista da gestora de ativos TCW Group. 

A soberania de Hong Kong passou do Reino Unido para a China sob um acordo conhecido como “Um País, Dois Sistemas”, pelo qual Pequim prometeu dar à antiga colônia ampla autonomia política e econômica por 50 anos. Mas, sob o presidente Xi Jinping, a China impôs sistematicamente maior controle sobre Hong Kong, o que gerou uma onda de protestos que parou só por causa da pandemia. 

A decisão americana atinge Hong Kong depois de um ano de protestos, muitas vezes violentos, e da pandemia da covid-19, que abateu a economia do território. 

Ontem, manifestantes planejavam se reunir no Conselho Legislativo da cidade, que discutia uma lei paralela que criminalizaria qualquer ofensa ao hino nacional da China. Mas não conseguindo realizar o protesto – 300 pessoas acabaram detidas – e a sessão prosseguiu normalmente, o que constitui uma profunda diferença em relação a um ano atrás, quando uma massa de pessoas conseguiu frustrar a aprovação de um projeto de lei que, se sancionado, facilitaria as extradições para a China. 

Ainda que Hong Kong continue sendo um grande centro de negócios e um acesso fundamental da China para o restante do mundo, sua importância para Pequim diminuiu muito em relação ao passado. Em 2019, 12% das exportações da China iam para ou passavam por Hong Kong, em relação aos 45% de 1992. A China também depende muito menos dos ingressos de capital estrangeiro e reduziu muito sua prioridade de tornar o yuan uma moeda internacional. 

“Hong Kong é incrivelmente vulnerável a um enorme choque de renda como esse, porque é a economia mais alavancada do mundo sob muitos aspectos”, disse. Destruir o sistema bancário de Hong Kong não atende aos interesses de punir a China e de proteger a autonomia de Hong Kong, portanto nós não entendemos essa abordagem.” 

Apesar disso, a cidade ainda tem importância. A abertura financeira de Hong Kong e sua adesão a padrões internacionais de governança não se comparam aos de qualquer cidade da China continental e transformam o território numa base importante para bancos e tradings internacionais. 

Segundo os termos da Lei Federal de Política EUA-Hong Kong, de 1992, Washington concordou em dar a Hong Kong o tratamento de plenamente autônoma em questões de comércio e econômicas mesmo depois de a China assumir o controle. Isso significa que Hong Kong ficou isenta das tarifas comerciais adotadas por Trump contra a China, que podia importar determinadas tecnologias sensíveis e que gozava de apoio dos EUA à sua participação em órgãos internacionais, como a Organização Mundial de Comércio (OMC). 

Mas uma lei sancionada no ano passado dá ao governo americano amplos poderes para impor sanções ou outras punições, se o território for considerado sem autonomia. O governo americano pode também revogar o status comercial especial de Hong Kong. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2020/05/28/eua-e-china-trocam-ameacas-de-sancoes-por-causa-de-hong-kong.ghtml

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