EUA e China freiam metas climáticas mais ambiciosas

Em um momento em que as emissões de gases voltam a crescer rapidamente, os dois países que mais poluem no mundo pisam no freio de meta climáticas mais ambiciosas. Com sua economia desacelerando, a China defende uma meta que prejudique menos sua atividade. Já os EUA têm dificuldades políticas internas de avançar com metas mais ambiciosas. Isso está ficando evidente na COP26, em Glasgow. 

Ontem, algumas iniciativas buscaram banir o uso do carvão e também de outros combustíveis fósseis, mas embora indiquem que o apelo está ganhando força, nenhuma foi contundente. 

Um dos acordos firmados ontem busca eliminar o uso de carvão até 2030, mas não recebeu a adesão dos EUA, da China e da Índia. O diretor executivo da Agência Internacional de Energia (AIE), Fatih Birol, disse que com EUA e China fora do acordo, as metas para o carvão estão comprometidas. 

Os EUA, o maior emissor de gases-estufa do passado, procura mostrar liderança da volta ao Acordo de Paris este ano, com a vitória do presidente Joe Biden. 

O democrata veio a Glasgow, voltou a dizer que a transição para uma economia de baixo carbono, além de necessidade vital, é uma oportunidade para os EUA. Falou que significa novos empregos e novas indústrias. Os americanos puxaram a aliança pelo corte de emissões de metano e ajudaram os britânicos na coalizão pela preservação das florestas. Mas têm sérios problemas domésticos para entregar muito mais em Glasgow. 

“O tamanho original dos pacotes de Biden era de US$ 3,5 trilhões. Até agora nada foi aprovado”, resume o cientista político Eduardo Viola, especialista em Relações Internacionais e em política americana. O Senado aprovou um pacote de US$ 1 trilhão para infraestrutura, que inclui alguns projetos de infraestrutura verde. A Câmara não vota este pacote porque muitos deputados da esquerda democrata querem que seja aprovada, no Senado, uma parte fundamental de outro pacote com medidas de combate à pobreza e desigualdades de gênero e racial. 

Na parte climática do pacote há resistência de dois senadores democratas – um deles de Estado carvoeiro – e oposição total republicana. A derrota democrata na eleição para o governo da Virgínia esta semana aumenta o impasse. “A proposta de criação de um imposto ao carbono não tem a menor viabilidade, por enquanto”, diz Viola. “Provavelmente o pacote de US$ 1 trilhão para infraestrutura acabará aprovado, mas o resto continuará no limbo”, aposta. A aprovação do presidente Biden está em queda. “São três causas: a desastrada retirada dos EUA do Afeganistão, a inflação crescente e a pandemia que voltou a crescer.” 

“A atitude pouco ambiciosa da China aumenta a resistência a políticas climáticas nos EUA”, diz ele. “É extremamente difícil ter apoio na sociedade americana para uma forte redução de emissões quando a China continua emitindo a metade das emissões globais e só promete atingir o pico até 2030”, diz. 

A China, por sua vez, também parece estar travada em ambições climáticas. “Se colocarmos apenas foco em 1,5o C, estamos destruindo o consenso e muitos países pediriam a reabertura das negociações”, disse Xie Zhenhua, o principal negociador chinês, à BBC. Com esta afirmação, a China sinaliza que pode estar puxando o freio de mão quanto aos apelos de outros países por mais ambição. 

No Acordo de Paris, os países concordaram em limitar os aumentos de temperatura “bem abaixo” de 2o C, mirando 1,5o C em relação aos anos pré-industriais. Foram as pequenas ilhas do Pacífico, lideradas pelas Ilhas Marshall, que pressionaram para que o objetivo de limitar o aquecimento a 1,5o C ficasse no texto do Acordo de Paris. 

Em 2018, um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) sobre a diferença nos impactos climáticos entre o aumento de temperatura de 1,5o C e 2o C deixou clara a maior intensidade e frequência de eventos extremos. 

Na COP26, a presidência britânica assumiu a meta de manter o objetivo de 1,5o C com apoio de vários países. Para a China, às voltas com a crise de energia e as perdas da pandemia, a maior ambição significa esforços que Pequim não está disposta a aceitar, além de uma transição mais acelerada. 

Em resposta à BBC, Xie disse que ambas as metas são necessárias. “O mundo já tem um consenso. Precisamos ser realistas, pragmáticos e ter foco para tomar ações concretas”, disse. “Nossa meta é atingir o pico das emissões em 2030 e ser neutros em carbono em 2060”, lembrou. “Isso é uma grande diferença e é ambicioso.” 

Segundo alguns observadores, Pequim parece isolada nas salas de negociação. Os 
países mais vulneráveis e as pequenas ilhas têm pressionado por metas climáticas mais ambiciosas e revisão das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC). 

Dados do Departamento de Informação do Conselho de Estado da China mostram que o consumo de carvão no país vem caindo desde 2011, mas a dependência ainda é grande. Em 2020, segundo documento disponível no pavilhão da China na COP26, o consumo total de carvão em energia foi mantido abaixo das 5 bilhões de toneladas. 

O percentual caiu de 74% em 2005 para 56,8% em 2020. O uso de carvão em setores não industriais foi substituído por energia limpa no fornecimento de energia para 25 milhões de casas em Pequim e outras cidades. A China é o maior consumidor de carvão no mundo. A Índia consome 932 milhões de toneladas por ano e os EUA, 650 milhões de toneladas anuais. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/11/05/eua-e-china-freiam-metas-climaticas-mais-ambiciosas.ghtml

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