O presidente Joe Biden defendeu seu plano econômico nesta semana, enquanto dados do mercado de trabalho nos EUA revelaram dois fatos intrigantes: milhões continuam desempregados após perderem o emprego durante a pandemia, mas empresas reclamam que não conseguem encontrar pessoas para contratar.
A dificuldade das empresas de atrair novos trabalhadores gerou um debate polarizado sobre possíveis causas, no qual republicanos e alguns empresários dizem que os benefícios generosos demais aos desempregados desestimulam as pessoas a buscar um emprego.
Para eles, a culpa é principalmente da prorrogação do complemento federal de US$ 300 por semana ao seguro-desemprego. Nos Estados com salários mais elevados, o valor combinado dos benefícios pode chegar a US$ 600 por semana, o equivalente a quase US$ 16 por hora. Isso é mais que o dobro do salário mínimo federal.
Essa inesperada dificuldade de encontrar trabalhadores ameaça o que muitos economistas e empresários esperam que seja uma recuperação econômica robusta.
Ao falar na Casa Branca, Biden disse que seu plano econômico estava “funcionando”, apesar da desaceleração na criação de empregos em abril, quando as empresas acrescentaram mais 266 mil trabalhadores ao nível de emprego, bem menos do que o 1 milhão esperado. Ele insistiu em que não havia “muitas evidências” de que os benefícios estariam desestimulando a busca por empregos.
Mas um dado divulgado ontem reforçou o descasamento entre oferta e demanda no mercado de trabalho dos EUA. O número de vagas de empregos em aberto cresceu quase 8% em março, para 8,1 milhões, um recorde desde o início da série histórica em 2000, segundo o Departamento do Trabalho.
Empresários afirmam que há uma escassez de mão de obra real em setores como os de alimentação, transporte e construção. Donos de franquias da rede de lojas de conveniência 7-Eleven imploraram à empresa que não os obrigue a voltar a funcionar 24 horas por dia, pois não conseguiam encontrar ninguém para trabalhar nos turnos da noite. Gerentes de um McDonald’s com falta de pessoal no Texas puseram um aviso na placa de menu do drive-thru em que pedem paciência aos clientes pois “ninguém quer mais trabalhar”.
A Post Holdings, que faz cereais matinais, informou que a falta de funcionários tem causado graves atrasos na produção. Na segunda-feira, Donnie King, diretor de operações da Tyson Foods, a maior processadora de carnes dos EUA, relatou o mesmo tipo de problema. “Temos demorado cerca de seis dias para fazer o trabalho que se fazia em cinco dias por causa da rotatividade e do absenteísmo.”
A Federação Nacional de Empresas Independentes, associação que representa pequenas empresas, disse que 42% dessas empresas dizem que não conseguem preencher cargos vagos. É o que diz Matt Glassman, dono do Greyhound Bar & Grill, em Los Angeles.
Duas semanas antes de reabrir seu estabelecimento, Glassman agendou 15 entrevistas para contratar pessoal de cozinha. Mas contou que uma dúzia de candidatos não apareceu e, dos três que o fizeram, um era “totalmente inadequado” e outro desistiu no primeiro dia, o que o deixou com apenas um funcionário contratado. “Seguimos os caminhos tradicionais”, disse. “Nada deu certo.”
Dirigentes trabalhistas e economistas dizem que os riscos maiores do trabalho presencial durante a crise da covid-19 levaram muitos trabalhadores de baixa renda a reconsiderarem se seus empregos valiam a pena. Para quem tem filhos, o prolongado fechamento de escolas e outras instalações para o cuidado de crianças tornou a volta ao trabalho ainda mais difícil.
“A ideia de que preciso voltar a trabalhar e com isso pôr minha família a risco para ganhar um terço [das gorjetas] que conseguia antes é o tipo de decisão que eu provavelmente não tomaria se fosse minha equipe”, admite Glassman.
Outros dizem que o seguro-desemprego tem desestimulado o trabalho. Nos campos de petróleo da Bacia Permian, no oeste do Texas, “há muita gente contratando e a atividade de petróleo e gás tem se recuperado”, disse Wesley Burnett, diretor da Câmara de Comércio da cidade de Odessa. “Mas o programa federal meio que empurrou todo mundo um pouco para trás, à medida que eles querem ficar em casa em vez de ir trabalhar.”
O republicano Henry McMaster, governador da Carolina do Sul, determinou que seu Estado pare de pagar os benefícios federais adicionais no fim de junho, dois meses antes do programado pela Casa Branca. “O que visava ser uma assistência financeira de curto prazo para pessoas vulneráveis e desalojadas durante o auge da pandemia se tornou um benefício federal perigoso, que incentiva e paga aos trabalhadores para que fiquem em casa em vez de encorajá-los a voltar ao local de trabalho.”
Outros Estados governados por republicanos estão fazendo o mesmo. Grupos de esquerda dizem que há um modo simples de atrair mais trabalhadores: pagar mais.
“Empregadores agora dizem, ‘bom, não conseguimos encontrar pessoas para essas vagas’, mas o que deveriam dizer na verdade é: ‘não conseguimos encontrar pessoas para essas vagas com os salários que oferecemos’”, disse Melissa Boteach, da entidade National Women’s Law Center. “Quando há demanda por trabalho, deve-se subir salários para atrair a oferta.”
Dados do Departamento de Trabalho dos EUA indicam que alguns empregadores começaram a fazer exatamente isso. Empresas dos setores de lazer e hotelaria aumentaram os salários em abril, embora ainda estejam abaixo da tendência anterior à pandemia.
Outros vão mais longe. O Uber lançou um programa de “estímulo” próprio de US$ 250 milhões para atrair novos motoristas. Fabio Sandri, CEO da processadora de carne de aves Pilgrim’s Pride, contou que gastou US$ 40 milhões para elevar salários no primeiro trimestre do ano e que continua a investir em automação para depender menos de mão de obra.
A expectativa de muitos economistas é que a falta de mão de obra vá acabando aos poucos, à medida que trabalhadores hesitantes voltem com o declínio nos casos de covid-19, a reabertura das escolas e o fim dos benefícios em setembro.
https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/05/12/eua-criam-empregos-mas-faltam-trabalhadores.ghtml