EUA buscam formar coalização anti-China, mas desafio é grande

O plano do presidente dos EUA, Joe Biden, de trabalhar com aliados para confrontar a China será posto à prova, já que os EUA tentam reunir países com interesses diferentes para buscar uma estratégia coordenada contra Pequim. 

Como lidar com a China foi um assunto recorrente em muitos dos dezenas de telefonemas que Biden, o secretário de Estado, Antony Blinken, e outras autoridades fizeram a seus equivalentes de outros países nas primeiras semanas do novo governo, segundo autoridades. A iniciativa inclui demonstrar apoio a países que têm conflitos territoriais e de outros tipos com Pequim – como Japão, Índia e Austrália – ao mesmo tempo em que tenta recrutar países europeus, que neste momento veem a China como grande parceiro comercial. 

O esforço já conseguiu alguns ganhos iniciais, como a extensão do acordo com o Japão para a manutenção de tropas americanas em seu território em um pacto semelhante com a Coreia do Sul. 

Ao apelar pelo trabalho em conjunto, o governo Biden também é obrigado a ouvir os receios dos parceiros, que vão além da China. 

Segundo o chanceler japonês, Toshimitsu Motegi, o recente golpe em Mianmar ocupou a maior parte do telefonema de 40 minutos com Blinken, que lhe garantiu que os investimentos japoneses no país do Sudeste Asiático não seriam prejudicado por sanções dos EUA aos generais de Mianmar. 

A Índia, cujas tropas entraram em choque com soldados chineses na fronteira, no ano passado, discutiu as metas do país de se tornar um centro industrial, assim como a pandemia e as mudanças climáticas, segundo uma fonte indiana. 

“Parece que eles [EUA] querem trabalhar mais com os países parceiros”, disse Ashok Malik, consultor de políticas do Ministério de Relações Exteriores da Índia. 

Autoridades dos EUA responsáveis por moldar a política para a China disseram que levar em conta os interesses de outros países é necessário para conseguir sua adesão. Isso é especialmente importante, segundo eles, depois do governo Trump, que brigava com frequência com aliados e seguia seu caminho unilateralmente, o que permitiu a Pequim usar a discórdia para expandir sua influência. 

“Estamos cientes de que alguns de nossos aliados e parceiros têm 

interesses variados que se alinham com os nossos e alguns pontos em que são um tanto divergentes”, disse uma autoridade americana. Nos últimos anos, segundo ele, a China “buscou preencher um vácuo deixado pela ausência dos EUA” no cenário mundial. Agora, o reengajamento dos EUA “pode ajudar a rechaçar alguns dos valores e normas fundamentalmente antidemocráticos que a China tem tentado introduzir no sistema internacional.”

O governo Biden prevê uma competição longa com a China pela influência mundial, em que levará adiante a linha mais dura do governo Trump ao mesmo tempo em que buscará áreas para cooperar, como a pandemia e as mudanças climáticas. A abordagem pragmática com relação a Pequim é apoiada por muitos no Congresso dos EUA e, segundo autoridades, exige o fortalecimento das relações com outros países. 

Entre as primeiras questões a serem trabalhadas com aliados e outros países está a segurança das redes de telecomunicações 5G e das cadeias de suprimento de bens essenciais. Em fevereiro, os EUA apelaram a Taiwan e outros parceiros para lidar com a atual escassez de semicondutores que atinge a indústria automobilística. 

Um desafio para os EUA será manter outros governos unidos, especialmente diante da inevitável oposição de Pequim, e saber quando agir sozinho, disseram ex- funcionários. Alguns países europeus têm enfatizado a necessidade de independência na política externa e na economia, ao mesmo tempo em que tentam trabalhar juntos em questões como a da repressão chinesa em Hong Kong. 

“É muito difícil liderar se um consenso total for o pré-requisito para qualquer ação”, disse Matt Turpin, ex-diretor para assuntos da China no Conselho de Segurança Nacional no governo Trump. “Uma parte da capacidade de liderança é convencer as pessoas a fazerem algo quando elas não querem. É sobre fazer escolhas entre prioridades conflitantes e às vezes agir antes de que haja um consenso.” 

Turpin e outros ex-funcionários dizem que o governo Trump trabalhou com outros países. As relações com a Índia cresceram, e seu governo persuadiu o Reino Unido e outros países a deixarem a chinesa Huawei de fora de sua rede 5G. 

Mas Trump também alienou potências europeias, alguns aliados asiáticos e outros países, ao questionar seu compromisso com acordos de segurança e ao impor sobre o aço e o alumínio por motivos de segurança nacional. 

Pequim viu o atrito entre os EUA e seus aliados como uma chance de alimentar a discórdia. A China acertou provisoriamente um acordo de investimentos com a União Europeia e fechou um acordo comercial básico na região Ásia-Pacífico com 14 países, sem os EUA. 

Pequim recebeu bem a perspectiva de cooperação com o governo Biden, mas o presidente Xi Jinping, alertou, em discurso no Fórum Econômico Mundial, em janeiro, que uma tentativa de unir países contra a China “só levará o mundo à divisão e até ao confronto”. 

Embora Washington e aliados compartilhem boa parte das preocupações com a China, “não estamos nem perto de algum tipo de abordagem unificada”, disse Paul Haenle, que foi diretor para assuntos da China no Conselho de Segurança Nacional nos governos de George W. Bush e Barack Obama. Segundo ele, a segurança nos moldes tradicionais é mais prioritária para aliados como Austrália e Japão, enquanto a Europa está focada na segurança cibernética, nos direitos humanos e outros temas. 

“A equipe de Biden tem uma tarefa difícil pela frente para combinar de forma efetiva essas prioridades conflitantes e forjar uma abordagem coerente e unificada.” 

A China não hesita em aplicar abertamente pressão econômica e militar sobre países que a contrariaram, o que dificulta essa tarefa. 

Depois que aviões militares chineses fizeram manobras perto de uma ilha controlada por Taiwan, em janeiro, os EUA foram rápidos em advertir Pequim de que aprofundariam os laços com Taiwan e ajudariam na sua defesa. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/03/02/eua-buscam-formar-coalizacao-anti-china-mas-desafio-e-grande.ghtml

Comentários estão desabilitados para essa publicação