O governo Donald Trump surpreendeu ontem ao anunciar um aperto das sanções ao petróleo iraniano. A decisão abalou os principais países produtores e também os maiores compradores de petróleo do mundo, muitos dos quais vinham esperando por uma renovação das isenções impostas pelos EUA no quarto trimestre do ano passado, que permitem a importadores continuar comprando petróleo do Irã.
As isenções que vinham possibilitando a países como China, Índia e Turquia comprar petróleo iraniano vão terminar em 2 de maio, segundo o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo. A iniciativa, parte do esforço do governo Trump para zerar as exportações iranianas, surpreenderam compradores que foram informados nas últimas semanas por autoridades do Departamento de Estado de que as exceções seriam renovadas.
Os EUA concederam a oito países uma isenção de 180 dias, permitindo a eles continuar comprando petróleo iraniano apesar das sanções que tiveram início em novembro. As isenções estipulavam que cada país teria de adotar medidas para reduzir as compras até encerrar completamente a aquisição de petróleo iraniano.
O anúncio do governo Trump ocorre depois de os petróleos dos tipo Brent – a referência mundial – e West Texas Intermediate (WTI), o padrão americano, terem acumulado uma valorização de mais de 30% desde o começo do ano, uma alta estimulada por cortes na produção da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e de seus aliados, que incluem a Rússia.
No fim do ano passado, a Opep e seus aliados acertaram uma redução da oferta de 1,2 milhão de barris/dia no primeiro semestre do ano. O fim das isenções poderá remover do mercado global mais de 1 milhão de barris/dia de petróleo iraniano. Em resposta, os preços internacionais do petróleo subiram quase 3% ontem: o Brent fechou a US$ 74,04 o barril, maior cotação desde fim de outubro, na Intercontinental Exchange, de Londres; em Nova York, o WTI fechou a US$ 65,70 o barril.
Apesar do anúncio do fim das isenções pelos EUA, a Arábia Saudita, o maior exportador do mundo, rejeitou um aumento imediato na produção para compensar eventuais lacunas na oferta.
“Nas próximas semanas, o reino vai consultar outros países produtores e importantes nações consumidoras de petróleo para assegurar um mercado petrolífero equilibrado e estável”, disse o ministro saudita da Energia, Khalid Al-Falih, em comunicado.
Pompeo afirmou que teve amplas discussões com a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos (EAU) – dois aliados no Oriente Médio – para “assegurar a oferta suficiente” da commodity.
Autoridades sauditas disseram que o país se comprometeu em aumentar a produção para compensas as perdas de fornecimento do Irã, caso isso seja necessário. Mas sem se comprometer com um cronograma ou volume.
Os sauditas continuam cautelosa com os pedidos de aumento da produção do governo Trump. No fim do ano passado, quando os EUA quebraram a promessa de impor sanções sobre o petróleo iraniano, sem exceções, isso resultou numa forte queda dos preços no quarto trimestre. Além disso, o governo saudita também quer que os preços continuem altos para cobrir a expansão do gasto público.
Por enquanto, a Arábia Saudita e o Irã – inimigos regionais – concordam que é cedo demais para dizer com que rapidez o anúncio dos EUA irá afetar o petróleo iraniano.
A China, que compra metade do petróleo exportado pelo Irã, não vai respeitar as sanções unilaterais dos EUA ao país, segundo disse ontem em Pequim o porta-voz do Ministério do Exterior, Geng Shuang.
Mesmo que quisesse parar de comprar petróleo iraniano, a China precisaria de meses para desfazer aos poucos os compromissos existentes, segundo disseram uma autoridade iraniana e o assessor de uma empresa de petróleo da China. A estatal chinesa Sinopec recebe 105 mil barris/dia como pagamento por um investimento de US$ 2 bilhões num campo de petróleo iraniano, disse um assessor da companhia.
O Irã também mantém quantidade substancial de combustíveis estocadas no porto chinês de Dalian, segundo Sara Vakhshouri, ex-diretora da National Iranian Oil Co. Mas o Departamento de Estado dos EUA acredita que a China vai zerar as importações do Irã porque os mercados estão muito bem supridos.
A decisão dos EUA de por um fim às exportações de petróleo do Irã poderá ameaçar também as exportações da Arábia Saudita. Ontem, um comandante da Guarda Revolucionária Islâmica prometeu interromper o fluxo de petróleo que passa pelo estreito de Ormuz no Golfo Pérsico – a rota usada para transportar a maior parte do petróleo do Irã e da Arábia Saudita.
“Se formos impedidos de usar o estreito, vamos fechá-lo”, disse Alireza Tangsiri, comandante das Forças Navais da Guarda Revolucionária, à TV estatal iraniana Al Alam. “Vamos defender nossa honra e sempre que for para defender os direitos do Irã, vamos retaliar.”
O consenso nos círculos políticos iranianos é que se o país não puder vender seu petróleo, “ninguém mais poderá”, disse uma autoridade iraniana do setor. “É uma situação muito perigosa.”
As preocupações com a perda de petróleo iraniano – e as possíveis ameaças a outros fornecedores do Golfo Pérsico – surgem em meio a um conflito na Líbia, um importante fornecedor africano, e sanções separadas impostas pelos EUA à Venezuela.
“A Casa Branca tem pouquíssimo espaço para errar se quiser manter os preços sob controle, agora que dois países da Opep estão sob sanções e um terceiro enfrenta uma situação de guerra civil”, disse Helima Croft, da corretora canadense RBC. O sucesso ou fracasso da estratégia de Trump vai “depender da força da relação bilateral com a Arábia Saudita”.
A Índia também estava isenta das sanções dos EUA para compra de petróleo iraniano e seu Ministério do Exterior não quis comentar o assunto ontem. Cortar as importações de petróleo iraniano seria difícil, mas Nova Déli provavelmente vai agir de acordo com as decisões dos EUA, disse uma autoridade Gabinete do premiê Narendra Modi. Segundo essa fonte, o país provavelmente buscará fontes alternativas de petróleo.
O governo turco condenou a decisão dos EUA de acabar com as isenções às sanções, afirmando que isso vai prejudicar o povo iraniano e alimentar as tensões numa região já volátil. A decisão dos EUA “não ajudará na paz e estabilidade da região”, disse o ministro do Exterior da Turquia, Mevlut Cavusoglu, no Twitter. “A Turquia rejeita quaisquer sanções unilaterais.”
Antes da imposição das sanções americanas, a Turquia importava cerca da metade do petróleo que consome do Irã. No ano passado, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, disse que seu país iria ignorar o embargo dos EUA ao petróleo iraniano, mas líderes empresariais turcos disseram que iriam aderir para não caírem na mira dos EUA.