Era de ouro da fuga fiscal nos EUA pode acabar

Um trilhão aqui, um trilhão ali e logo está se falando de dinheiro grosso. Se o IRS [a receita federal dos EUA] arrecadasse tudo o que lhe é devido, segundo a atual legislação, o US$ 1 trilhão que é perdido anualmente daria para financiar quatro vezes o projeto de infraestrutura de Joe Biden. A maior parte dessa evasão é praticada pelo 1% dos contribuintes mais ricos dos EUA – o grupo que mais reclama das alíquotas oficiais do imposto de renda. Na prática, os ricos pagam bem menos do que se diz. 

Assim, em vez de elevar as alíquotas do IR, a prioridade de Biden deveria ser fazer cumprir as alíquotas que ele herdou. A evasão anual de US$ 1 trilhão, que Chuck Rettig, diretor do IRS, estimou em depoimento ao Senado nesta semana, não inclui as deduções e brechas que tornam o código tributário dos EUA tão vergonhosamente poroso. No ano passado, 55 das maiores empresas dos EUA, inclusive a Nike e a FedEx, não pagaram nada de impostos de renda, apesar de terem lucrado, coletivamente, cerca de US$ 40 bilhões. 

A alíquota oficial de imposto de renda da pessoa jurídica nos EUA é de 21%, que Biden quer elevar para 28%. No entanto, a alíquota oficial não é a questão. A alíquota efetivamente paga nos EUA é de apenas 11,2%, inferior à da Irlanda. A Câmara de Comércio e a Business Round Table (entidades empresariais dos EUA) reclamam que o imposto sobre as empresas no país é maior que a média ocidental. Na prática, acaba sendo próximo da menor alíquota. A arrecadação de imposto de renda nos EUA corresponde a 1% do PIB, abaixo da média de 3,1% dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 

Toda essa elisão fiscal é totalmente legal. Biden pretende reverter parte da assim chamada corrosão da base tributável por meio da adoção de um imposto mínimo global para as empresas. Mas, na ausência de um IRS mais eficiente, tudo o que conseguirá é uma mudança da alíquota oficial. O sucateamento do IRS é uma das histórias mais subestimadas dos últimos dez anos de governo americano. Desde 2011, A receita federal perdeu quase 20% de seu orçamento em termos reais, mas, em termos de parcela do PIB, foi quase um terço de seus recursos. Muitos dos 17.400 auditores que a agência perdeu eram seus mais experientes funcionários nessa área. 

Isso criou uma situação perversa, na qual o órgão mantém no momento estatisticamente a mesma probabilidade de auditar americanos com uma renda mediana anual de US$ 20 mil que de auditar o grupo do 1% mais rico do país. A auditoria dos mais pores é normalmente automatizada. 

Em contraposição, é necessário tempo e know-how para detectar a subnotificação ou a escancarada evasão fiscal de pessoas cuja renda provém, principalmente, de investimentos. Em 2011, quase toda e qualquer grande empresa dos auditada todos os anos, como praxe. Essa proporção caiu para menos de 50%. As grandes empresas americanas usufruíram de uma era de ouro de elisão fiscal, o que também ocorreu com pessoas físicas donas de grandes fortunas. Isso pode agora estar chegando ao fim. 

No “esqueleto de orçamento” federal [pouco detalhado] da semana passada, a Casa Branca propôs aumentar o orçamento do IRS em pouco mais de 10%, para US$ 13,2 bilhões. Isso já contribuiria bastante para fortalecer um órgão muito desmoralizado. Os americanos mais ricos temeriam mais a possibilidade de serem auditados. A auditoria interminável da histórico de pagamentos de impostos do ex-presidente Donald Trump poderia de fato ser concluída. 

Mas a proposta da Casa Branca é um aumento surpreendentemente modesto, em vista do proveito que Biden tiraria. Cada dólar que ele puser no IRS poderá obter nada menos do que US$ 10 em troca, de acordo com uma estimativa muito confiável. Além disso, cada dólar obtido com uma fiscalização mais rígida do pagamento de impostos significaria um dólar menos de pressão para elevar a alíquota oficial. Mesmo se um IRS revigorado pudesse fechar apenas 20% desse rombo, isso permitira custear quase integralmente os US$ 2,3 trilhões do projeto de gastos com infraestrutura de Biden. 

Dotar o IRS dos devidos recursos é o equivalente político a pegar o que está mais facilmente acessível. Pesquisas indicam que a inequívoca maioria dos americanos, inclusive republicanos, paga seus impostos com satisfação. O que os irrita é a ideia de que outros não estejam pagando seu justo quinhão. Qualquer pessoa que viajou de carro pelos EUA já viu jardins de bairros de classe média com animais de criação pastando – um benefício fiscal voltado para agricultores de verdade. Eles sabem que a complexidade fiscal é amiga dos que podem se dar ao luxo de pagar advogados e contadores. Com 4 milhões de palavras, o código fiscal dos EUA é quatro vezes mais longo que a série de livros de Harry Potter escritos por J.K. Rowling – e oferece um espaço muito maior para a prática de feitiçaria. Agora é esse pessoal que está sob cerco. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/04/16/uma-era-de-ouro-da-elisao-fiscal-nos-eua-pode-estar-acabando.ghtml

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