Na CoP-21, em Paris, financiamento continua sendo o tema mais difícil sobre a mesa de negociação do que pode ser o primeiro acordo climático global da história.
Quem pagará a conta e como se fará isso são dois dos temas controversos do capítulo de finanças que está no rascunho do texto em negociação em Le Bourget. Os países já concordaram em repartir o bolo das emissões, divulgando nas Nações Unidas metas voluntárias de cortes de emissões de gases-estufa, as chamadas INDCs. A próxima divisão é o dinheiro, querem os países desenvolvidos. O problema é que os em desenvolvimento não concordam, como mostrou matéria do Valor, assinada por Daniela Chiaretti, publicada em 2/12.
“Antes apenas os desenvolvidos tinham obrigações de cortar emissões. Com as metas voluntárias que cada país levou à ONU, isso ficou pulverizado”, diz um negociador de um país em desenvolvimento. “Agora os países desenvolvidos querem dividir a responsabilidade dos recursos financeiros”, continua. “Dinheiro é a próxima fronteira.”
Há duas opções sobre quem deve financiar a economia de baixo carbono e ajudar os países em desenvolvimento a se adaptar aos impactos do clima, explica Mark Lutes, especialista em finanças do WWF. A primeira, um cardápio oferecido pelos países ricos, tem várias nuances e uma ideia central: alargar o número de países doadores.
A Convenção do Clima determinou há 23 anos que os países da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico) são os únicos responsáveis por providenciar recursos para combater a mudança do clima, carapuça que essas nações não querem mais vestir sozinhas. “O mundo mudou desde 1992”, costuma argumentar Miguel Arias Cañete, o principal negociador europeu, coro entoado também por americanos, japoneses e australianos.
De fato, Qatar, Cingapura, Brunei e Kuait, além de Emirados Árabes, Arábia Saudita e Bahrein estão hoje no topo dos países mais ricos do mundo e nenhum deles é listado como desenvolvido nos anexos da Convenção do Clima. Ou seja, não têm obrigações, no regime climático, como os Estados Unidos ou a Europa, de prover recursos para ajudar os outros.
Os países em desenvolvimento, reunidos no grupo conhecido por G-77 e China, reagem a essa afirmação. Em outubro em Bonn, em uma das rodadas de negociação do acordo, o G-77 fez uma declaração onde os países em desenvolvimento se dizem “confrontados com a narrativa simplista que sugere que o mundo mudou”.
O texto-rascunho do acordo que está sobre a mesa dos negociadores está cheio de trechos entre colchetes, o que quer dizer que não há consenso entre os países.
No rascunho do acordo, os países ricos dizem que o fluxo financeiro para promover a economia de baixo carbono deve vir de todos, “de acordo com suas responsabilidades e capacidades”. Essa é a alternativa preferida dos desenvolvidos porque acaba com a divisão binária de ricos que pagam, e os outros, que recebem, explica Lutes.
A opção mais branda em negociação diz que os países ricos têm que liderar a iniciativa mas “junto a economias em transição”. Há uma opção mais aberta que diz que devem contribuir os países “em condições de fazer isso”.
Os países em desenvolvimento defendem um texto em que a responsabilidade recai sobe os países desenvolvidos. “Em muitos tópicos do acordo o G-77 e a China não negociam como um bloco. Mas isso não acontece quando o assunto é finanças”, diz Lutes.
No bloco dos países em desenvolvimento há nuances também. Entre os emergentes, a China anunciou que colocará US$ 3,1 bilhões em cooperação Sul-Sul, prática que o Brasil também apoia. O Brasil também apoia a ideia de instrumentos de mercado que ajudem a financiar a adaptação e mitigação de gases-estufa, desde que em base complementar.
Mas países que se alinham em um grupo mais radical da negociação (conhecido por “Like Minded Group”, onde estão Índia, Bangladesh, Síria, Vietnã, Argentina e Cuba, entre outros) não são flexíveis à ideia de expandir o grupo de quem tem responsabilidades em financiamento.
Um dos pontos de tensão é verificar se os países ricos cumpriram suas promessas até agora. “Eu diria que cumpriram muito mal. E agora, no novo acordo, querem expandir os países com obrigação de financiamento, postura que não gera boa vontade no mundo em desenvolvimento”, avalia Lutes.
No capítulo de finanças, do texto-rascunho, há outro ponto de grande conflito – como aumentar a escala dos compromissos. Os Estados Unidos não querem falar em números. Para os países em desenvolvimento a cifra deve partir dos US$ 100 bilhões ao ano, em 2020, e subir a partir daí. O negociador-chefe do Brasil, José Antonio de Marcondes Soares, diz que os famosos US$ 100 bilhões são insuficientes e que o Brasil irá propor outro número na CoP-21.
“Seguir com US$ 100 bilhões ao ano, no pós-2020, é o mínimo que se pode esperar”, diz Lutes. As ONGs esperam, também, que existam compromissos numéricos coletivos, dos países desenvolvidos, a cada cinco anos.
Outro ponto nas entrelinhas do debate em Paris é o argumento dos países desenvolvidos, cada vez mais forte, da importância dos recursos privados. “As duas fontes de recursos são importantes”, diz Lutes. “Recursos públicos são importantes para financiar a adaptação. Mas investimentos privados são importantes sempre que se precisa promover grandes mudanças na economia.”