Eleições refletem uma Europa com menos peso no mundo 

O avanço significativo da extrema-direita no Parlamento Europeu, na eleição concluída domingo, ocorre num cenário de nova era geoeconômica que causa disrupções no modelo econômico da Europa e evidente “désarroi”, ou seja, confusão, ansiedade, angústia, aflição. 

O velho continente está ficando cada vez mais atrás dos Estados Unidos e da China e vendo o avanço de vários emergentes: a fatia da Europa na economia global declinou de 25,8% para 14,1% entre 1980 e 2024 em Paridade de Poder de Compra (PPC), pelos dados do Fundo Monetário Internacional (FMI). 

Em comparação, a parte dos EUA na economia global caiu de 21,3% para 15,5% no mesmo período. Já o peso da China deu um salto de 2,26% para 19,01%, superando americanos e europeus, sempre em PPC. 

O cenário demográfico e econômico global mudou radicalmente – e para pior para os europeus, se não houver reações urgentes, constata Enrico Letta, ex-primeiro ministro da Itália, num recente relatório sobre o futuro do mercado comum europeu. 

Nas últimas três décadas, a diminuição da participação da UE entre as maiores economias do mundo, em favor das economias asiáticas em ascensão, foi parcialmente impulsionada por mudanças demográficas, com a UE tendo uma população cada vez menor e mais envelhecida, nota Letta. 

Em contraste com o crescimento observado em outras regiões, a taxa de natalidade na União Europeia vem caindo de forma alarmante, com 3,8 milhões de bebês nascidos em 2022, uma redução em relação aos 4,7 milhões de nascimentos registrados em 2008. 

Mesmo sem considerar as economias asiáticas, o mercado único da UE está ficando para trás em relação aos EUA. Em 1993, as duas áreas econômicas tinham um tamanho comparável. No entanto, entre 1993 e 2002 o PIB per capita nos EUA aumentou quase 60%, enquanto na Europa o aumento foi inferior a 30%. 

Cerca de metade dessa lacuna reflete diferenças de produtividade. A outra metade se deve a escolhas sociais de trabalhar menos horas per capita ao longo da vida, segundo outro relatório, que avalia que, a menos que a Europa consiga reenergizar o crescimento, sua posição de liderança em sustentabilidade e inclusão poderá ser comprometida, corroendo o padrão de vida dos europeus. 

No geral, as maiores empresas da Europa já ficaram atrás de suas concorrentes americanas em vários aspectos. A estimativa é de que, de 2015 a 2022, as europeias gastaram metade do valor em pesquisa e desenvolvimento (P&D) como parcela da receita e investiram menos (mesmo ajustando para seu tamanho menor). Em consequência, o crescimento das europeias foi dois terços inferior, enquanto o retorno sobre o capital foi quatro pontos percentuais menor. 

Para Mario Draghi, ex-primeiro-ministro da Itália e ex-presidente do Banco Central Europeu, o mercado comum europeu precisa passar por reformas radicais. 

Observa que, num ambiente internacional inofensivo, os europeus contavam com a igualdade de chances e com uma ordem internacional baseada nas regras, esperando que os outros fariam o mesmo. 

Só que, hoje, o mundo muda rapidamente “e nos pegou de surpresa”. Mais importante ainda, diz Draghi, outras regiões não respeitam mais nenhuma regra e concebem proativamente políticas para reforçar sua competitividade. 

No melhor dos casos, diz ele, essas políticas visam reorientar os investimentos para suas próprias economias em detrimento dos outros; no pior dos casos, elas são elaboradas para tornar os outros dependentes delas. 

Cita a China, que na sua visão procura se apropriar e internalizar toda a cadeia de fornecimento de tecnologias verdes e tecnologias avançadas, e assegurar o acesso às matérias-primas necessárias para isso. Essa expansão rápida da oferta provoca um excesso de capacidade importante em vários setores e ameaça enfraquecer a indústria europeia, diz Draghi. 

Quanto aos EUA, diz que utilizam uma política industrial em grande escala para atrair capacidades produtivas nacionais com valor agregado recorrendo ao protecionismo para excluir os concorrentes e utilizando sua potência geopolítica para reorientar e assegurar as cadeias de fornecimento. 

Já a Europa precisa de uma estratégia clara, que não tem, nota Draghi. E precisará de muitos recursos. Uma estimativa aponta que para melhorar a competitividade europeia na nova era serão necessários entre 500 bilhões de euros a 1 trilhão de euros de valor agregado por ano até 2030. Para colocar isso em perspectiva, esse valor está na faixa de 5% a 10% do PIB da Europa em 2022 nos setores privados, excluindo o setor imobiliário, ou 12% a 24% das despesas com proteção social da Europa em 2022. 

A necessidade de relançar a competitividade da União Europeia tem um certo consenso. O racha é sobre a receita para fazer isso e tentar reduzir a distancia em relação aos EUA e China. 

A agenda europeia atualmente evidencia necessidade de reformas para melhor integração em áreas de energia, digital, defesa e mercado de capitais. Mas o resultado das urnas no domingo mostrou que boa parte dos europeus quer é menos, e não mais, Europa. 

Como ficarão a “agenda verde”’ para a transição ambiental, o alargamento da UE em meio à guerra na Ucrânia, e como responder a questões sobre democracia e estado de direito no velho continente? 

Socialistas e ecologistas querem impulsionar mais o “Green Deal’’ (Pacto verde); liberais e centristas preferem uma “pausa” em regulamentações ambientais, enquanto a extrema-direita reforçada quer o desmatelamento do Pacto Verde – algo que afetaria a credibilidade e a capacidade europeia de influenciar ações climáticas internacionais. 

Ninguém ignora que parte da extrema-direita no Parlamento Europeu é pró-Rússia e resiste ao apoio de bilhões de euros para armamentos e reconstrução da Ucrânia. 

Os governos da Alemanha e da França, pesos centrais na Europa, saem duramente derrotados da eleição do domingo. Para o presidente francês Emmanuel Macron, “a subida de nacionalistas e demagogos é um perigo para nossa nação e para a Europa”. 

https://valor.globo.com/opiniao/assis-moreira/coluna/uma-europa-aflita-e-com-menos-peso-no-mundo.ghtml

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