Eleição no Japão pode derrubar primeiro-ministro que acaba de assumir

A eleição parlamentar deste domingo (27) no Japão, para a Câmara Baixa, pode tirar a maioria do conservador Partido Liberal Democrático (PLD) e, no limite, levar à queda do primeiro-ministro Shigeru Ishiba, que ainda não completou um mês no cargo.

Pesquisas divulgadas nesta semana por alguns dos principais jornais japoneses —Asahi Shimbun, Yomiuri Shimbun e o financeiro Nikkei— indicam que o PLD, mesmo quando somado à legenda aliada, Komeito, pode não alcançar as 233 cadeiras necessárias para governar. Quando o Parlamento foi dissolvido, no dia 8, o PLD somava 256 cadeiras, e o Komeito, 32. Os resultados devem ser divulgados na manhã de segunda (28) na Ásia, noite de domingo (27) no Brasil.

A principal explicação é um escândalo de contas secretas, há quase um ano, que abalou o PLD, até então dominante na política japonesa e ao qual pertencia o ex-primeiro-ministro Shinzo Abe, que governou por dois períodos (2006-2007 e 2012-2020) e morreu em um atentado a tiros em 2022.

Fundos de campanha de 600 milhões de ienes (R$ 22,5 milhões) não teriam sido declarados. Ao mesmo tempo, o imposto sobre consumo era elevado em 10% no país, contrastando com o privilégio dado aos políticos governistas.

Izuru Makihara, especialista em política e gestão pública e professor da Universidade de Tóquio, diz não acreditar em queda imediata do PLD, mesmo perdendo a maioria, porque pode recorrer a partidos hoje na oposição —inclusive negociando votações, não necessariamente cargos.

Na visão dele, porém, seria um “golpe duro”, causando instabilidade até a eleição para a Câmara Alta, em julho do ano que vem, quando teria mais chance de ser derrubado. Antes, segundo Makihara, outras alas podem avaliar que Ishiba não tem como conduzir o partido à vitória —e, desde já, retirá-lo.

Ishiba é da ala considerada moderada do PLD, mas fracassou em se distanciar do escândalo por manter candidatos vinculados aos fundos secretos. Ele havia se comprometido a reformar o partido.

Na última quinta, o jornal Akahata Shimbun, ligado à oposição, publicou que Ishida teria não só mantido os candidatos acusados, mas estaria financiando suas campanhas. O primeiro-ministro negou, dizendo que a distribuição dos recursos é para diretórios locais e visa fortalecer o partido.

Para Makihara, o escândalo e seus efeitos políticos ameaçam uma das principais bandeiras dos governos japoneses desde Abe, sob incentivo dos EUA: o aumento dos gastos militares do país, para se contrapor à China.

Com a mudança recente de governo, para um grupo mais moderado que fala em “não se desacoplar” da China, Pequim se reaproximou. Nas últimas semanas, o chanceler Wang Yi ligou para membros do novo gabinete, saudando a “retomada estável” das relações.

A pesquisa Nikkei/Yomiuri indica crescimento da principal legenda de oposição, o Partido Constitucional Democrático, que poderia chegar a 150 cadeiras. Mas não houve acordo entre este e outros três partidos (Inovação, Comunista e Democrático para o Povo) para as composições locais, reduzindo o risco para a coalizão governista.

O PLD domina a democracia japonesa desde 1955, quando foi formado pela reunião de duas legendas conservadoras, incentivada pelos EUA diante da fusão, pouco antes, dos grupos de esquerda num único partido. Só esteve fora do poder duas vezes, em 1993-94 e 2009-12.

Na opinião do professor Makihara, o escândalo inviabilizou a “governabilidade interna do LPD”. Após a dissolução das facções envolvidas, há pelo menos nove candidatos disputando a Presidência da legenda. “É como uma cobra cuja cabeça foi cortada e que agora está se debatendo, com pedaços do corpo também cortados.”

Questionado sobre a Igreja da Unificação, cuja ligação com alas do partido foi outro escândalo, a partir de 2020, Makihara diz que “ela não desapareceu, de jeito nenhum”. Citou candidatos que enfrentam dificuldades em seus distritos “exatamente por seus laços com ela”.

Shinzo Abe foi assassinado por um jovem que afirmou tê-lo feito justamente pelas ligações do ex-premiê com a Igreja da Unificação, que teria levado sua mãe à insolvência financeira. O escândalo que se seguiu derrubou o gabinete da época e forçou o afastamento formal entre a igreja e o partido.

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2024/10/eleicao-no-japao-pode-derrubar-primeiro-ministro-que-acaba-de-assumir.shtml

Deixe um comentário