Geração prateada produz PIB de R$ 1,8 tri

Estudo revela que 54% das pessoas mais velhas não se veem representadas na publicidade, apesar do potencial de consumo. Exemplo: os 81 anos, Marlene Bregman é uma exceção. A publicitária faz parte de um grupo diminuto de idosos que trabalham no mercado publicitário, no qual a juventude impera – assim como em outros setores da economia. A sua faixa etária também pouco aparece nos anúncios, embora a população mais velha movimente a chamada “economia prateada”, com previsão de alcançar R$ 1,8 trilhão no Brasil em 2024 em consumo, serviços e toda a cadeia envolvida na produção, de acordo com dados da consultoria Data8.

“A projeção é que, nos próximos anos, essa cifra mais que duplique”, afirma a cofundadora da Data8 e coordenadora do estudo Tsunami60+, Layla Vallias. Esse crescimento é esperado porque o público maduro se tornará cada vez mais significativo na pirâmide etária e demandará mais produtos e serviços, impulsionando o Produto Interno Bruto (PIB). “Não à toa, há cada vez mais marcas interessadas no tema”, diz Vallias.

Mesmo diante desse cenário econômico, esses consumidores não são bem percebidos. “Não me sinto representada. Gostaria de ver mais campanhas para mim, mas, para isso, é necessário que pessoas da minha geração estejam presentes no desenvolvimento dos produtos e serviços”, conta Bregman, que atua na agência Leo Burnett, do grupo Publicis, há 45 anos. Nesse sentido, ela não está sozinha: 54% das pessoas mais velhas dizem “não se ver” nas peças publicitárias, segundo uma pesquisa da Box1824, feita neste ano com 1.500 pessoas e obtida com exclusividade pelo Valor.

Isso ocorre tanto pela escassez de personagens de mais de 60 anos nas propagandas quanto pelo uso de estereótipos de pessoas mais velhas, o que acaba afastando o público-alvo. O que essas pessoas desejam, na verdade, segundo a pesquisa da Box1824, é serem vistas e valorizadas por suas capacidades, interesses e visões de mundo. É por isso que se empenham em demonstrar que suas identidades são um espectro rico e multifacetado, moldado por experiências de vida, e não limitado por rótulos baseados na idade.

O foco das empresas nessa faixa etária também é reflexo da luta contra a discriminação a pessoas mais velhas. “Ainda não é crime como a homofobia ou o racismo, mas, ao evidenciarmos o preconceito, tiramos a população do piloto automático”, analisa a professora e pesquisadora sobre envelhecimento Christiane Monteiro Machado.

Nessa linha, o mercado publicitário tem – ou deveria ter – um papel importante, segundo a especialista.

Há anunciantes que têm apostado em trazer esse debate para o público. É o caso do banco Itaú com a campanha de 100 anos, que contou com a presença da cantora Madonna e da atriz Fernanda Montenegro. “A ação mostra como podemos retratar a longevidade de forma autêntica, inspiradora e mais fidedigna. Essas figuras mostram que o envelhecimento não significa irrelevância”, indica o diretor de operações da Africa Creative, Renato Broggin, que está à frente do atendimento na instituição desde 2019.

Broggin diz acreditar que a sub-representação dos idosos na publicidade se deve, em parte, a um preconceito enraizado de que são desconectados do mundo digital ou desinteressados em produtos e serviços inovadores. Mas é necessário retratar os idosos em sua complexidade, acrescenta o diretor, mostrando suas diferentes personalidades, estilos de vida e interesses, indo além de estereótipos de fragilidade ou passividade, e reconhecendo que o envelhecimento não é homogêneo.

Nesse sentido, o presidente do conselho do McCann Worldgroup para as agências de publicidade WMcCannCraftAldeiah, e estudioso do comportamento do consumidor, Hugo Rodrigues, opina que não adianta usar personagens mais velhos nas propagandas se a marca não tem uma conexão anterior com o público.

A professora de doutorado em comunicação e consumo da ESPM Gisela Castro questiona, por exemplo, se os bancos pensaram nas pessoas mais velhas ao criarem as funcionalidades de internet banking. “Será que 30 segundos são suficientes para uma pessoa com tremor nas mãos copiar um token em uma operação financeira?”, pergunta ela.

A gigante de alimentos Nestlé faz pesquisas antes de levar ao ar suas campanhas e de colocar os produtos nas gôndolas. “Vamos fazendo a calibragem de termos e vemos como isso ressoa no público”, explica a diretora de marketing de Nestlé Health Science, Lara Miranda, sobre anúncios do suplemento alimentar para adulto Nutren Senior. A empresa também acaba de lançar um manual sobre o tema.

O Boticário é outra marca que enveredou pelo assunto e lançou um conjunto de iniciativas antietaristas. A mais recente foi um vídeo, estrelado pela atriz Eliane Giardini, falando sobre as dificuldades que as mulheres mais velhas enfrentam no mercado de trabalho e em outras esferas da vida, tornando-se, muitas vezes, invisíveis para a sociedade.

A proposta da plataforma TikTok, por sua vez, é dar palco (e voz) para a diversidade, inclusive etária. “O que une as pessoas é a afinidade de interesse e não uma questão de idade. É transgeracional”, afirma a executiva de marketing da rede social, Carolina Bacarat. A plataforma está com uma campanha no ar da qual participam o apresentador Pedro Bial e a atriz Fernanda Torres.

Os exemplos de personagens, entretanto, ainda precisam de maior diversidade. Até porque o país é desigual, o que implica que classes sociais diferentes levam a “envelhecimentos” distintos, lembra a professora de pós-graduação da ESPM Tânia Zahar Miné.

O líder de estratégia do grupo Dreamers, Marco Antonio Vieira Souto, diz que sente certo preconceito ao trabalhar rodeado de jovens. Aos 66 anos, ele conta que uma das coisas que o tiram do anacronismo é continuar fazendo perguntas. “Mas acho que houve avanço. Alguns setores já caminharam para um lugar que dá protagonismo quanto mais a pauta de diversidade ganha força. Se tem uma coisa moderna e que está no futuro é a longevidade.”

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/10/28/geracao-prateada-produz-pib-de-r-18-tri-e-quer-mais-atencao.ghtml

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