Disputa pela Casa Branca promete quebrar recorde de baixaria

Não é comum um texto tão duro no Financial Times. Mas, numa temporada de previsões desacreditadas, eis uma que é certeira: os debates presidenciais entre Hillary Clinton e Donald Trump vão quebrar todos os recordes de audiência.

A atração que vão exercer sobre o público não terá relação alguma com o teor das questões discutidas. Dezenas de milhões de espectadores vão acompanhar os debates para ver o insultador mais incendiário de nossos tempos difamar uma das mulheres mais famosas do mundo.

Na Roma antiga, gladiadores massacravam bárbaros para entreter o povo. Neste caso, contudo, o bárbaro tem uma chance de virar imperador. Quer ele consiga, quer não, a democracia americana nunca mais será a mesma.

O que acontecer nos debates vai representar a melhor chance de Trump de conquistar o prêmio. Por qualquer critério normal, a campanha de Hillary está anos-luz à frente da de seu rival. A máquina de levantamento de fundos dela funciona a pleno vapor e já levantou perto de US$ 300 milhões, quase cinco vezes o total conseguido por Trump, como mostrou artigo do Financila Times, assinado por Edward Luce, publicado na Folha de 8/06.

A operação de registro de eleitores dela percorre as ruas dos “swing states” (Estados-pêndulo), os Estados chaves em que nenhum dos dois partidos tem a preferência de uma maioria clara dos eleitores. Trump ainda não tem uma operação em campo que seja digna do nome.

A sede da campanha de Hillary, no Brooklyn, tem as dimensões de uma pequena corporação, com centenas de funcionários trabalhando em período integral. A operação de Trump, em Manhattan, consiste em um pequeno círculo de seguidores fiéis que, somados, têm pouquíssima experiência eleitoral.

Para esses seguidores, Trump é Davi e Hillary Clinton é Golias. Em lugar de uma funda, ele brande uma conta no Twitter. Sua arma principal é sua facilidade de captar o que mais assusta seu adversário e então explorar esses medos de modo implacável. Alguns comentaristas o veem como pouco mais que um brigão intimidador que lança insultos para conseguir fazer o que bem entende.

Esse é um resumo correto de seu caráter moral. Mas é também uma subestimação perigosa de suas habilidades. Tudo o que aprendemos com a campanha de 2016 é que os eleitores valorizam os dados, a lógica e a coerência muito menos do que talvez imaginássemos. A campanha de Trump é erguida sobre esse insight. A civilidade é sobrestimada. Insultos funcionam.

Será que os insultos poderão conduzi-lo até a Casa Branca? A regra habitual das campanhas presidenciais americanas reza que os candidatos devem evitar lançar ataques ao caráter de seus adversários, eles próprios. Esse tipo de trabalho sujo deve ser deixado a cargo de seus representantes.

Trump colocou essa lógica de cabeça para baixo. Praticamente não se passa um dia sem que ele descreva Hillary Clinton em linguagem que não tem precedentes na política americana moderna.

Em um momento Hillary é alguém que facilita as ações de um marido estuprador; no dia seguinte, uma trapaceira que merece estar na cadeia. Sua família chegou ao governo na década de 1990 à custa de propinas e mortes. Se ela não consegue satisfazer seu marido, como pode satisfazer a América?

Hillary Clinton está começando a seguir o exemplo de Trump, cautelosamente. Na semana passada, descreveu o republicano como um embusteiro cuja campanha é feita de “uma série de diatribes bizarras, vendetas pessoais e mentiras deslavadas”. Ele estaria tentando ludibriar os eleitores, do mesmo modo como a Universidade Trump roubou milhares de fregueses crédulos.

Hillary tem evidências de sobra para fundamentar suas alegações. Mas ela atravessou uma linha e agora não poderá mais voltar atrás. Quando você vai se meter numa briga de rua com um bandido, é bom ter todas as armas possíveis à mão.

Se você lutar com os punhos, ele vai usar um soco inglês. Se você lhe acertar um soco, ele puxará uma faca. Hillary está jogando no território de Trump. Ele sempre vai revidar com alguma coisa pior.

Faltam cinco meses ainda para a eleição presidencial, mas a corrida de 2016 já virou uma disputa entre “Hillary Trapaceira” e “Trump o Enganador”. Ainda falta muito para as incivilidades chegarem ao auge. Será que Hillary vai conseguir lidar com a escalada inevitável? Poderá a democracia sobreviver ilesa a tanta baixaria?

A resposta à primeira pergunta é perturbadoramente ambivalente. Até agora Trump mal arranhou a superfície do potencial conflito de interesse de Hillary com a fundação global de Bill Clinton, que recebe milhões de dólares de governos estrangeiros e empresários, algo que não tem precedentes na política americana.

Amigos de Hillary a aconselharam a dizer que ela fechará a fundação se for eleita presidente. Está claro que ela reluta em fazê-lo. Quanto mais ela adiar uma promessa que seria conveniente e necessária, mais Trump vai reforçar o apelido de “Hillary Trapaceira” que ele lhe deu.

Em segundo lugar, em algum momento das próximas semanas o FBI (a polícia federal americana) vai recomendar se Hillary e seus subordinados devem ou não ser indiciados por terem usado um servidor particular para transmitir comunicações oficiais.

Se o FBI apenas repreender Hillary levemente, isso dará subsídios a Trump para alegar que ocorreu um acobertamento. Se o Departamento de Justiça do governo Barack Obama enterrar uma recomendação do FBI de que a candidata seja indiciada, alguém a vazará. O escândalo resultante poderia rapidamente tomar conta da campanha.

Hillary é uma candidata fraca, com vulnerabilidades graves. Tendo procurado em vão um tema positivo, ela escolheu um negativo. Ela diz que Donald Trump é perigoso demais para ser presidente. Hillary tem razão em relação a isso. Mas ela optou por brigar nos termos dele.

Todas as medições convencionais indicam que Hillary deve vencer a eleição com maioria grande. Mas meu instinto me diz que as coisas talvez não sejam tão simples assim. Além disso, a vitória dela pode rapidamente parecer vazia. Será difícil governar um país tão amargamente dividido por ódio pessoal.

Quando Hillary alude à Presidência de seu marido, nos anos 1990, frequentemente pergunta: “De que parte da paz e prosperidade vocês não gostam?”. A resposta de Trump é clara: de você, seu marido e muito possivelmente sua filha, também. É por antecipar esse bate-boca que espectadores em número recorde vão acompanhar o debate.

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