A grave falta de energia na China e na Índia, os dois principais motores do crescimento econômico mundial, lançam uma sombra sobre as perspectivas econômicas da Ásia e elevam o risco de pressão inflacionária pela região.
Vários economistas especializados em China veem uma desaceleração considerável da segunda maior economia do mundo nos próximos meses, em razão do impacto da falta de energia na produção industrial e dos problemas desaceleração do setor
“Reduzimos nossas previsões de crescimento da China de 5% a 3,6% [no quarto trimestre] e de 5,8% a 5,4% em 2022”, disse Louis Kuiis, chefe de assuntos econômicos na Ásia da Oxford Economics. “[E] isso apesar de nossa expectativa de alterações na política econômica [no quarto trimestre] para incentivar o crescimento.”
Andrew Batson, diretor da firma de análises Gavekal, disse que o “crescimento na China se desacelerará nos próximos meses, em vista do aprofundamento do retrocesso [no setor] imobiliário e da disseminação da falta de energia”. Ele ressalta, no entanto, que a força das exportações e a solidez dos investimentos em bens de capital trarão certo impulso à economia.
Miao Ouyang e Helen Qiao, do Bank of America, disseram que a China teve um solavanco na produção industrial em setembro em função da forte redução de atividade em indústrias de alto consumo de energia. Eles também preveem impacto na expansão do Produto Interno Bruto (PIB).
Há vários anos, a China é a economia que mais contribui para o crescimento do PIB mundial, sendo que as projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI) indicam uma expansão de 8,1% em 2021. Na Índia, o FMI estima um crescimento de 9,5% neste ano.
Em projeções de longo prazo feitas antes da pandemia da covid-19, o FMI estimava que, entre 2019 e 2024, a China colaboraria com 28% do crescimento do PIB mundial e a Índia, com 15% – apontando esses países com os dois principais motores de expansão global, à frente dos EUA, em terceiro lugar.
A Índia também passa por uma grave escassez de carvão, crucial para gerar a eletricidade que sustenta seu crescimento. Em 3 de outubro, as 135 usinas termelétricas do país tinham estoques de carvão para quatro dias, de um estoque de 13 dias em 1o de agosto, informou ontem o Ministério de Energia.
O governo disse que as remessas de carvão da estatal Coal India vêm aumentando, após atrasos provocados pelas chuvas de monções.
Economistas advertiram que cortes generalizados de energia podem prejudicar o crescimento justo quando a produção industrial da Índia retorna aos níveis pré-pandemia. “Não é uma situação muito feliz”, disse Sunil Kumar Sinha, economista da India Ratings & Research.
A menos que o governo consiga alocar de forma eficiente as limitadas reservas de carvão, Sinha disse que a Índia pode enfrentar problemas semelhantes aos da China, onde indústrias se viram obrigadas a fechar ou a recorrer a alternativas mais caras, como suas usinas geradoras próprias.
As causas da escassez de energia na China indicam que uma solução rápida é improvável. Alicia García Herrero, economista-chefe para a região da Ásia-Pacífico no banco Natixis, atribuiu a crise a um “baque triplo”.
Primeiro, os governos locais correm para cumprir as metas de emissão de Pequim e, portanto, precisam restringir a geração de energia a carvão. Segundo, há uma escassez na oferta de carvão, uma vez que o país faz a transição para energias renováveis. E terceiro, os tetos ao preço da eletricidade fazem com que a demanda não seja afetada pelo aumento dos custos do carvão e de outros insumos.
Tudo isso vem exercendo pressão imensa sobre Pequim para liberar os preços da eletricidade – o que agravaria perspectivas inflacionárias. “O erro na dose da política [energética] fez com que muitos produtores de energia fechassem para evitar perdas financeiras”, disse Michael Gill, diretor para a Ásia na consultoria Dragoman. “A liberdade [de variação] dos preços deveria solucionar isso.”
A China parece estar adotando uma abordagem gradual de aumento dos preços da energia. Na província de Guangdong, por exemplo, as autoridades aplicaram alta de 25% nos preços da eletricidade neste mês, mas o impuseram apenas nos horários de pico e apenas aos usuários industriais – poupando assim as famílias. Algumas outras províncias podem seguir o exemplo, segundo analistas.
Tal abordagem visa amortecer a inflação dos preços ao consumidor, mesmo diante da disparada nos preços dos produtores – como os de carvão, metais e outras commodities. O índice de preços dos produtores na China saltou 9,5% em agosto e os economistas do Bank of America projetam aumento ainda maior, de 10,5%, no mês de setembro. Em contraste, o índice de preços ao consumidor subiu só 0,8% em agosto e o Bank of America calcula que pode recuar para 0,6% em setembro.
A batalha contra o aumento dos preços é crucial. Se as pressões inflacionárias saírem do controle, Pequim pode ser obrigada adotar uma política monetária mais restritiva, impactando ainda mais as perspectivas de crescimento.
Também haverá consequências para o restante do mundo.
“A escassez de energia na China tem implicações globais”, disse Ting Lu, economista-chefe para a China no grupo de serviços financeiros Nomura. “Os mercados globais sentirão o impacto da escassez na oferta [de bens que vão] desde têxteis e brinquedos a peças de maquinário, […] [que] muito provavelmente resultará em falta de produtos para o Dia de Ação de Graças e o Natal.”