Corte da Opep+ traz ameaça de nova pressão inflacionária

O inesperado corte na oferta de petróleo anunciado pelo cartel de produtores no fim de semana representa um novo risco para a economia global. A redução de mais de 1,1 milhão de barris/dia, liderada pela Arábia Saudita, segunda maior produtora mundial de petróleo, ameaça provocar uma nova pressão inflacionária, em um momento que os preços continuam em níveis historicamente altos. 

A notícia do corte levou a uma alta de 6,3% nos preços do petróleo Brent, referência internacional, para US$ 84,93 o barril ontem,e m Londres. Apesar dessa alta, os preços de referência internacional do petróleo permanecem mais baixos do que há um mês e bem abaixo da alta pandêmica de mais de US$ 125 o barril em março de 2022. 

A secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, criticou a decisão da Organização dos Países Exportadores de Petróleo e países aliados, como Rússia, chamada de Opep+, classificando-a como “não construtiva” e que só eleva a incerteza sobre o crescimento global.

“É um ato muito não construtivo neste momento em que é importante tentar manter os preços da energia baixos”, afirmou Yellen ontem após dar uma palestra em New Haven, Connecticut. 

“Ainda não tenho certeza de qual será o impacto no preço”, disse Yellen. “Mas, claramente, não é positivo para o crescimento global e aumenta a incerteza e os encargos em um momento em que a inflação já está alta.” 

A medida pode complicar a tarefa dos bancos centrais de reduzir a inflação em níveis recordes ao redor do mundo, alimentando preços mais altos ao consumidor, ao mesmo tempo em que tentam reduzir o crescimento. A inflação ao consumidor nos EUA caiu significativamente desde seu pico de 9,1% ao ano em junho, e caiu para 6% em fevereiro, mas ainda bem acima da meta de inflação do Federal Reserve (Fed, o BC americano), de uma taxa em torno de 2%. 

O presidente dos EUA, Joe Biden, por sua vez, buscou miniminar a importância do anúncio da Opep+, dizendo que “não será tão ruim quanto se imagina”. 

Funcionários do governo Biden tentaram encontrar um equilíbrio entre criticar a medida, mas sem azedar ainda mais as relações dos EUA com a Arábia Saudita. O porta-voz do Conselho de Segurança Nacional, John Kirby, disse que os EUA receberam um “aviso” antecipado sobre o anúncio da Opep+. Ele acrescentou que Washington não acredita que “cortes de produção sejam aconselháveis neste momento, dada a incerteza do mercado”. 

Analistas apontam que a decisão da Opep+ representa uma redução significativa na produção em um mercado cuja oferta já sinalizava uma situação mais apertada até o fim do ano. 

Bjarne Schieldrop, analista-chefe de commodities do banco escandinavo SEB, disse que os novos cortes devem reforçar alguns entraves ao avanço da economia global e endurecer o mercado de petróleo, o que contribuirá para que a Rússia garanta preços melhores para o seu petróleo. 

O porta-voz do Kremlin Dmitry Peskov disse que os cortes visam a manter “os preços do petróleo e os preços dos derivados em determinado nível”, segundo a agência de notícias russa Interfax. 

A decisão de domingo cortará mais de 1 milhão de barris de produção ao dia, a partir do mês que vem, das cotas de produção de Arábia Saudita, Rússia, Iraque, Emirados Árabes Unidos, Kuwait, Argélia, Omã e Cazaquistão. 

A medida tem grandes implicações políticas e poderá acirrar as tensões já significativas entre Riad e Washington. A Arábia Saudita, no passado um parceiro confiável dos americanos, mantém há mais de um ano uma política energética que conflita com a de Washington, num momento em que o Ocidente enfrenta a Rússia pela invasão da Ucrânia. Os EUA tentaram reduzir a receita para a Rússia – um dos maiores produtores de petróleo e gás do mundo – por meio de sanções e de um limite de preço, mas iniciativas da Opep, liderada pelos sauditas, e de outros grupos de países produtores chefiados pela Rússia contribuíram para sustentar os preços do petróleo por boa parte do ano passado. 

O novo corte de produção é o sinal mais claro já emitido de que os sauditas farão o que for necessário para manter os preços do petróleo em níveis que os beneficiem. O príncipe herdeiro Mohammed bin Salman – governante de fato do país – está implementando o que os analistas qualificam de política “a Arábia Saudita em 1o lugar”, com prioridade dos interesses nacionais, em uma época de crescente incerteza em torno do grau de compromisso dos EUA com a defesa dos aliados do Oriente Médio em meio à crescente disputa entre grandes potências na região. 

Nos últimos meses, assessores econômicos sauditas haviam alertado reservadamente as autoridades de que o país precisava de preços do petróleo elevados pelos próximos cinco anos para continuar a gastar nos projetos do príncipe Mohammed que, até agora, atraíram poucos investimentos do exterior (leia a matéria abaixo). 

Antes dos cortes de produção anteriores anunciados em outubro, autoridades sauditas diziam acreditar que os dados econômicos indicavam que o orçamento do governo exigiria preços de US$ 90 a US$ 100 o barril para o Brent, acima da faixa de US$ 75 a US$ 80 que Riad fixara como meta. 

Com cerca de US$ 450 bilhões em reservas externas e as segundas maiores reservas comprovadas de petróleo do mundo, é pouco provável que a Arábia Saudita fique sem dinheiro em breve. Mas o príncipe Mohammed ficou alarmado com uma análise econômica feita por seu ministro da Energia, o príncipe Abdulaziz, que alertava que o petróleo poderia cair para menos de US$ 50 o barril, o que colocaria em risco seus planos de gastos, disseram essas fontes. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2023/04/04/corte-da-opep-traz-ameaca-de-nova-pressao-inflacionaria.ghtml

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