Adesão da Finlândia dobra fronteira da Otan com a Rússia

A Finlândia tornou-se nesta terça (4) o 31º membro da Otan, a aliança militar fundada pelos EUA com seus aliados para conter o avanço da antiga União Soviética na Europa. Setenta e quatro anos depois, segue sua expansão devido à ameaça do Estado sucessor do império comunista, a Rússia de Vladimir Putin.

O ingresso do país é uma derrota estratégica para Putin, que invadiu a Ucrânia há um ano, iniciando um terremoto na arquitetura de segurança mundial. Um ponto central do “casus belli” do Kremlin era evitar que Kiev entrasse na Otan, o que permitiria o posicionamento de forças hostis junto à fronteira russa.

Hoje é um dia histórico. O presidente Putin foi à guerra contra a Ucrânia com o objetivo declarado de ter menos Otan. Está ganhando o oposto”, disse o secretário-geral da aliança, Jens Stoltenberg. A adesão foi consumada com a entrega de sua documentação pelo chanceler finlandês, Pekka Haavisto, ao colega americano Antony Blinken, representante de quem manda no grupo, em Bruxelas.

Até aqui, a Rússia tinha 1.215 km de fronteira com cinco países do bloco, ou 6% do seu total de contato com o mundo por terra. Agora, isso mais que dobra com os 1.340 km russo-finlandeses agregados.

Moscou reagiu previsivelmente com agressividade. O ministro da Defesa, Serguei Choigu, disse que a adesão amplia o risco de o “conflito se expandir”, e o porta-voz de Putin, Dmitri Peskov, afirmou que “é um novo agravamento da situação, um ataque à nossa segurança que nos obriga a tomar contramedidas”.

Na prática, não há muito o que o Kremlin possa fazer além de reposicionar tropas e armamentos, dado que a adesão garante à Finlândia o acesso ao artigo 5º da carta da Otan: se um membro for atacado, todos o defendem. Terceira Guerra Mundial, em outras palavras.

Os finlandeses ainda mantiveram uma trava de segurança, aprovando o acesso desde que armas nucleares não sejam postadas em seu território. Isso dito, a entrada coroa um processo de união de uma aliança vista como quase morta —de resto, um efeito que a invasão teve no Ocidente, apesar de ampliar as divisões da Guerra Fria 2.0, com China e Rússia do outro lado, além de países que buscam neutralidade.

O presidente dos EUA, Joe Biden, disse estar “orgulhoso” da adesão, elogiada de forma óbvia pelo ucraniano Volodimir Zelenski. Para o líder finlandês, Sauli Niinistö, seu país “entra em uma nova era”.

O movimento, contudo, evidenciou fraturas internas importantes da Otan: a Turquia, último país a aprovar em Parlamento o ingresso finlandês, ainda veta a adesão da Suécia à aliança, assim como a Hungria.

País mais poderoso militarmente, o vizinho nórdico fez o pedido de entrada junto à Finlândia em julho passado, mas os turcos resistem à adesão por exigirem que Estocolmo entregue os opositores do governo de Recep Tayyip Erdogan que abriga em exílio. Para piorar a crise, a extrema direita sueca, cuja franja partidária integra o governo, promove atos periódicos de islamofobia aberta para provocar os turcos.

Já os húngaros, que, assim como os turcos, têm boas relações com Putin, queixam-se das críticas suecas ao governo autocrático de Viktor Orbán. Ambos os países foram os últimos a aprovar a entrada da Finlândia em seus Parlamentos, mas o caso de Budapeste parece ser de mais fácil solução.

Já o de Ancara deverá ser resolvido com o tempo, caso Erdogan assegure a reeleição em maio e a entrega de mais caças F-16 dos EUA para recompor sua frota. Stoltenberg foi otimista, dizendo que “a Suécia será membro permanente”, e os EUA pediram que turcos e húngaros cedam logo. Mas o impasse mostra que nem tudo é a união fraterna pintada em discursos oficiais.

Entre os nórdicos, por outro lado, há consenso estabelecido. Tanto que, mesmo sem Suécia na Otan, Finlândia e os outros dois países da região que integram o clube, Dinamarca e Noruega, firmaram um acordo inédito unificando suas Forças Aéreas para melhor reagir às ameaças russas. Não é impossível a replicação desse movimento entre membros menos poderosos militarmente do continente.

Isso dito, a Finlândia agrega uma fronteira que já viu muito combate contra os russos, os mais recentes em 1940 e entre 1941 e 1944, quando Helsinque estava aliada à Alemanha nazista —os conflitos terminaram com os nórdicos perdendo cerca de 10% de seu território e legando uma política de neutralidade que durou toda a Guerra Fria e os anos da “pax americana” seguinte.

No pós-Guerra Fria, Helsinque se apoiava entre a boa relação com o Ocidente, sendo na prática quase um membro da Otan, e laços amistosos com Moscou. Já a neutralidade sueca é ainda mais antiga, datando de 200 anos, devido aos embates com o então Império Russo dos Románov. Tudo isso mudou em 2022.

Mas é preciso limitar a avaliação. Na prática, a neutralidade nórdica foi diluída quando Suécia e Finlândia aderiram juntas à União Europeia, em 1995. “Se um Estado-membro é vítima de agressão armada em seu território, os outros Estados-membros devem ter uma obrigação de ajuda e de assistência por todos os meios a seu dispor”, afirma o artigo 42.7 do Tratado da União Europeia.

Salvo a expansão da guerra, algo improvável, os russos não têm muitas opções. Na semana retrasada, o país anunciou que posicionará mísseis com ogivas nucleares táticas, que visam emprego contra forças militares e não grandes áreas, na vizinha Belarus.

Como talvez já as tenham em Kaliningrado, ainda mais perto dos nórdicos, da agressiva Polônia e dos temerosos Estados Bálticos, trata-se mais de um gesto simbólico destinado a tentar conter a escalada de ajuda ocidental a Kiev, que poderá ajudar os ucranianos a lançar uma contraofensiva no futuro breve.

Isso dito, como já foi relatado por moradores e analistas à Folha, os países nórdicos se veem como alvos mais evidentes agora. É um preço da mudança da paisagem geopolítica decorrente do conflito europeu e de sua inserção na Guerra Fria 2.0 entre EUA e China, com lados cada vez mais definidos.

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/04/finlandia-se-torna-o-31o-membro-da-otan-em-derrota-para-putin.shtml

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