Há dois anos, Jon Chu, diretor de filmes como “Ela Dança, Eu Danço”, enfrentava uma escolha difícil. Muitos de seus colegas tinham começado a fechar acordos com a Netflix e a Amazon para lançar seus filmes primeiramente na internet, já que o lançamento tradicional nos cinemas se tornara mais arriscado na era do “streaming” digital. A Netflix ofereceu a Chu um valor de encher os olhos pelos direitos sobre sua nova comédia romântica, “Podres de Ricos”, o que parecia ser a rota mais clara e segura depois de o mais recente filme do diretor fracassar nos cinemas.
Chu decidiu fazer o lançamento nos cinemas, uma aposta que pode ter
parecido tola no ano seguinte, quando uma série de fiascos produziu o pior
verão de Hollywood em duas décadas e deflagrou novos temores sobre o futuro da telona na era digital. “As pessoas estavam jogando a toalha”, diz Leo Kulp, analista do banco de investimento RBC, como mostrou artigo do Financial Times, assinado po Anna Nicolaou, publicado no Valor de 3/09
No mês passado, porém, “Podres de Ricos” aterrissou nas salas de exibição em meio a uma forte virada nas bilheterias. O verão americano tem mostrado muitos sucessos de público, permitindo aos executivos de Hollywood respirar aliviados: 2018 está a caminho de uma receita de bilheteria anual recorde, de US$ 11,6 bilhões nos Estados Unidos e no Canadá. E à medida que a indústria se consolida, as riquezas acabam cada vez mais concentradas nas mãos de poucos megaestúdios.
Durante a temporada de verão, que costuma responder por cerca de 40% das receitas anuais, as bilheterias americanas cresceram 14% em relação a um ano antes, para US$ 4,22 bilhões, segundo a ComScore, que acompanha a venda de ingressos. Em base ajustada pela inflação, este foi o melhor verão em cinco anos.
A melhora desafiou as previsões de Wall Street, forrando o bolso das maiores companhias de mídia do mundo, como a Disney e a Fox, e elevando o preço das ações da AMC, a maior empresa de salas de cinema dos EUA.
Poucos poderiam estar mais felizes que Bob Iger, diretor-presidente da Disney. Seu estúdio estreou um sucesso de bilheteria atrás do outro, ficando com um terço de todas as vendas de ingressos neste ano. O domínio da Disney tem crescido na última década – em boa parte por causa do sucesso confiável dos filmes da Marvel -, e seu cronograma de lançamentos pode afetar a direção de toda a bilheteria em um ano determinado.
“O fator poderoso de estabilização em 2018, e o que veremos nos próximos cinco a dez anos, é sem dúvida nenhuma o poder crescente da Disney”, disse Jeff Bock, analista da consultoria da área de entretenimento Exhibitor Relations. “Sua consistência não tem paralelo na era dos ‘blockbusters’. Uma marca forte é do que se precisa quando ao competir com os serviços de ‘streaming’ digital, e a Disney será o megaestúdio por algum tempo.”
O poder da Disney só deve se aprofundar, depois que a empresa venceu, em junho, uma batalha pelos ativos da área de entretenimento da Fox, o que vai integrar os filmes das séries “Avatar” e “X-Men” à arca do tesouro da Disney, que já inclui as produções da Pixar e da série “Star Wars”. Combinados, os estúdios de cinema da Disney e da Fox representaram 42% de toda a bilheteria neste ano. A fusão reduz o número de grandes estúdios de seis para cinco.
O número de espectadores de cinema nos EUA, o maior mercado de filmes do mundo, vem declinando vagarosamente há anos, e os proprietários das salas de exibição têm compensado parcialmente esse declínio com o aumento no preço dos ingressos. Este ano contrariou essa tendência: as bilheterias da América do Norte venderam 881 milhões de ingressos até 26 de agosto, mais que os 832 milhões vendidos no mesmo período de 2017. O preço médio do ingresso subiu cerca de 4%, para US$ 9,27, segundo a ComScore.
Disney amplia domínio nas salas de cinema
A indústria do cinema funciona à base de impulso; a ideia é que se alguém vê um bom filme, se sentirá compelido a voltar. Executivos atribuem o bom desempenho do ano a um cronograma de lançamentos mais forte, que começou em fevereiro, com a estreia de “Pantera Negra”, da Disney.
Primeiro filme de super-herói de grande orçamento com um elenco predominantemente negro, “Pantera Negra” foi um sucesso assombroso. Conseguiu US$ 700 milhões em vendas domésticas, superando “Titanic” e se tornando a terceira maior bilheteria de todos os tempos nos EUA.
“Não acredito que seja possível subestimar o impacto que ‘Pantera Negra’ teve sobre a indústria do cinema neste ano”, diz Greg Foster, diretor-presidente da Imax Entertainment. “Estou neste negócio há muito tempo. Há duas coisas necessárias para que um ano tenha sucesso: um pouquinho de sorte e começar com um êxito espetacular.”
“Pantera Negra” também se tornou um tema de debate cultural, puxando as conversas de corredor de volta para o cinema, depois de o verão anterior ter sido dominado por uma televisão cada vez mais cinematográfica, como a série “Stranger Things”, da Netflix.
Na esteira de “Pantera Negra”, a Disney lançou, em abril, a mais nova sequência de “Vingadores”, da Marvel. Em junho, foi a vez de “Os Incríveis 2”, da Pixar. As produções se tornaram a segunda e a terceira maiores bilheterias do ano.
Depois do desempenho deprimente do ano passado, Kulp, da RBC, previu uma estagnação das vendas em 2018. Mas conforme os meses se passaram, e os filmes surpreenderam, ele revisou seu prognóstico repetidamente. Agora, espera uma arrecadação de US$ 11,65 bilhões em 2018 nas bilheterias dos EUA e do Canadá, um novo recorde.
A dúvida que permanece é se a domínio da Disney é boa para o público. Quatro dos cinco principais filmes deste ano foram continuações e alguns analistas alertam para a perspectiva de uma presença que lembra a influência do Walmart no varejo, com mais poder para a Disney negociar contratos com salas de cinema e maiores orçamentos para produzir mais sucessos de bilheteria.
Segundo a ComScore, os dez principais filmes deste ano responderam por 46% da venda total de ingressos, um aumento frente aos 38% do ano passado.
“Se você é a Disney, então, sim, as coisas estão melhores que o esperado. Mas se você não é um megaprodutor, então ainda é realmente difícil se dar bem”, diz Doug Creutz, diretor da consultoria Cowen & Company. Os estúdios menores, afirma, “estão sendo espremidos”.
Outros, porém, indicam a Disney como a mais bem equipada para defender o cinema frente ao “streaming” digital.
Em uma conferência com investidores no mês passado, Iger declarou seu compromisso com a indústria cinematográfica, que rendeu à Disney US$ 6 bilhões em receitas neste ano. Enquanto apresentava planos para um serviço de “streaming”, ele advertiu: “Quero deixar claro que continuamos incrivelmente engajados e entusiasmados quanto à experiência de ir ao cinema.”
O futuro parece pronto para mais consolidações. A Warner Bros, que distribuiu “Podres de Ricos”, foi engolida pela AT&T, como parte de sua aquisição da Time Warner; e a Universal é propriedade da Comcast, depois da compra da NBCUniversal em 2011. Mas os estúdios remanescentes – Paramount, Sony e Lionsgate – “estão mal e mal sobrevivendo, a esta altura”, diz Bock, da Exhibitor Relations.
Por enquanto, Chu e seus colegas aproveitam a boa fase do cinema tradicional. “Podres de Ricos” arrecadou US$ 76
“Não seríamos alvo de tantas conversas [do público] se estivéssemos em um serviço de ‘streming'”, disse ele recentemente ao programa “This Morning”, da rede de televisão CBS. Para Chu, isso justifica o investimento de milhões de dólares dos estúdios em marketing. Para o espectador, faz valer a pena sair de casa e brigar por um lugar para estacionar e se sentar numa sala escura. “É algo muito maior do que simplesmente fazer parte de um menu de conteúdo”.
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