Contra ricos, emergentes dominam OMC. Mas, podem ganhar e não levar…

Ufanismos à parte, a escolha do diplomata brasileiro Roberto Azevêdo para novo diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC) representa o reconhecimento da importância dos países emergentes no comércio internacional. A questão central está bem longe da nacionalidade específica de quem ocupa este cargo, mas do fato de que o escolhido foi eleito com o voto essencialmente de países de menor poder econômico contra o apoio ostensivo dos Estados Unidos e da União Europeia, que preferiam o candidato mexicano Hermínio Blanco.
Pela primeira vez os países mais ricos não conseguiram impor sua vontade em instituição chave para a governança global, porque a OMC define as regras sobre como 159 países negociam suas riquezas. Sem esquecer que a OMC tem tribunais e uma escala de punição para fazer valer suas decisões. Até mesmo contra os países muito ricos.
Em 1999, um candidato da Tailândia obteve a maioria dos votos, mas não ocupou plenamente o cargo, porque os países ricos impuseram a divisão do mandato com o candidato da Nova Zelândia. Hoje, a importância dos emergentes no comércio internacional impediu que o resultado fosse alterado depois da escolha.
Hoje, os países emergentes já dominam mais de 40% do comércio internacional e no final do mandato de Roberto Azevêdo, como disse um diplomata chinês na matéria do Estadão de hoje, pg B3, “provavelmente, pela primeira vez na História os países mais ricos não terão mais da metade dos fluxos internacionais de comércio”. Um diplomata árabe também apontou que “haveria uma revolta no âmbito da organização” se o candidato mais votado não fosse o escolhido.
A tarefa do novo diretor-geral da OMC não será fácil. Se a organização tomar posições rigorosas demais contra os interesses dos países mais ricos, a reação poderá levar a uma constante perda de relevância da OMC como condutora do comércio global. Motivo: os países ricos têm suficiente força para assinarem acordos bilaterais ou regionais sem precisarem se submeter às regas da OMC. O país A assina com o país B um contrato de comércio que exclui outras economias do seu comércio, o que contraria as regras da OMC, mas que foi feito por livre decisão de cada governo, sem imposições de qualquer parte. Neste caso, a OMC nada pode fazer.
Um bom sinal deste risco para a OMC, por exemplo, foram as iniciativas das Parcerias Transatlânticas já assinadas pelos EUA com a União Europeia, ou a Parceria Transpacífica, assinada por Washington com organizações regionais de países asiáticos. Isto quer dizer que países ricos podem decidir criar suas próprias regras de comércio independentes da OMC. Seria um retrocesso, mas a quantidade acordos bilaterais ou regionais já assinados, inclusive por países latino-americanos como Chile, Colômbia ou Peru, mostram que esta possibilidade de perda de relevância da OMC é bem real.
A candidatura de Roberto Azevêdo foi ostensivamente apoiada pelo bloco dos BRICS, a poderosa economia da China, a Rússia, a Índia e a África do Sul. Dos 50 países africanos pertencentes à OMC o Brasil recebeu 42 apoios declarados. Todos estes fatos são muito importantes para o redesenho das regras do comércio internacional, mas o recente fracasso da Rodada Doha (a tentativa de liberalizar o comércio mundial, com novas regras) mostra o poder das economias mais ricas. Portanto, alguma cautela é necessária para afirmar que tudo será diferente no comércio internacional porque os países emergentes ganharam a diretoria-geral da OMC.

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