The Washington Post; O que aflige a Europa? O Produto Interno Bruto (PIB) da União Europeia por pessoa no ano passado correspondeu a apenas 73% do PIB por pessoa dos Estados Unidos, levando em conta as diferenças no poder aquisitivo. Em termos reais, esse número é inferior aos 77% registrados em 2008, às vésperas da crise financeira global.
Bruxelas está preocupada. No início deste mês, Mario Draghi, ex-primeiro-ministro da Itália e presidente do Banco Central Europeu, apresentou um diagnóstico do fraco desempenho da Europa. Sem um aumento na produtividade, advertiu ele, a Europa não conseguirá manter seu generoso modelo de bem-estar social, combater as mudanças climáticas e preservar sua independência no cenário mundial: “Esse é um desafio existencial”.
Para os Estados Unidos, também é fundamental que a Europa tenha sucesso. A UE continua sendo um aliado inigualável dos Estados Unidos, indispensável para enfrentar uma série de novos desafios, como o aquecimento global e a crescente rivalidade geopolítica entre a China e os Estados Unidos, que poderia mais uma vez fragmentar o mundo em blocos rivais.
E, no entanto, a arquitetura institucional da UE — a governança complicada, compartilhada com os estados-membros que detêm o poder de veto, a colcha de retalhos de decisões e regras muitas vezes descoordenadas — provavelmente atrapalhará o esforço maciço exigido pelo relatório Draghi.
A principal deficiência do continente é uma desaceleração acentuada no crescimento da produtividade. A produtividade da mão de obra na UE caiu para menos de 80% da produtividade dos Estados Unidos, de cerca de 95% em meados da década de 1990, à medida que o continente ficou ainda mais atrasado em relação à fronteira tecnológica.
De acordo com o relatório Draghi, se não fosse pelo setor de tecnologia, o crescimento da produtividade da Europa nas últimas duas décadas seria bem próximo ao dos Estados Unidos. Porém, na década de 1990, a Europa não conseguiu implantar a internet naquele momento crucial. E seus déficits digitais cresceram desde então.
Há pouquíssimas empresas europeias na vanguarda da inteligência artificial. Nesse estágio, de acordo com o relatório Draghi, não faz sentido para a Europa nem sequer tentar competir na computação em nuvem. A região praticamente não criou empresas tecnologicamente revolucionárias; nenhuma empresa da UE com capitalização de mercado superior a € 100 bilhões (US$ 111,3 bi) foi criada do zero nos últimos 50 anos. Nos Estados Unidos, há seis avaliadas em mais de US$ 1 trilhão. Os três maiores gastadores em pesquisa e desenvolvimento nos Estados Unidos são empresas digitais — Microsoft, Alphabet e Meta. Na União Europeia, as três maiores são fabricantes de automóveis, que, no entanto, não estão conseguindo acompanhar a revolução dos veículos elétricos.
Mais investimentos são extremamente necessários. Em 2021, as empresas da UE gastaram cerca de metade do que as empresas dos EUA em pesquisa e inovação. O relatório de Draghi sugere que o continente precisa de quase 5% do PIB da UE em investimentos adicionais. No entanto, para superar esse déficit, a Europa precisa reconsiderar os principais elementos de sua arquitetura.
Existem obstáculos regulatórios. A adoção do “princípio da precaução” pela Europa — que pode justificar a suspensão de tecnologias para evitar danos plausíveis, porém indeterminados, no futuro — possibilitou uma enxurrada de regulamentações, inibindo o investimento e a inovação. Por exemplo, a limitação do acesso aos dados de saúde prejudicará o desenvolvimento da IA no setor farmacêutico. Os obstáculos aumentam à medida que os governos nacionais acrescentam suas próprias regras à legislação da UE, criando uma complexa colcha de retalhos regulatória.
Mas o maior desafio é que, por mais que tente, a UE ainda não é realmente uma grande coisa, mas uma coleção de outras menores. Isso dificulta o dimensionamento das empresas. Considere o apoio público da UE para pesquisa e desenvolvimento — US$ 108 bilhões em 2021, não muito atrás dos US$ 131 bilhões gastos pelos Estados Unidos. Mais de 90% do dinheiro europeu foi distribuído pelos estados-nação para seus projetos de estimação, dificultando a criação de uma estratégia de investimento em toda a Europa.
Restrições semelhantes ocorrem no mercado de telecomunicações, atendido por um grupo de operadoras nacionais relativamente pequenas, em vez de empresas continentais maiores. Os orçamentos de defesa são nacionais, o que leva a uma série desconcertante de sistemas de armas duplicados, em vez de uma infraestrutura de defesa interoperável em toda a Europa.
De forma crítica, os vários pequenos mercados de capital da UE não têm a escala necessária para levantar o tipo de dinheiro necessário para que as empresas permaneçam na corrida global. Sem instrumentos de financiamento amplos, que provavelmente incluiriam títulos públicos em toda a Europa, a iniciativa de Draghi não sairá do papel.
O relatório de Draghi tem muitas ideias boas — unificar orçamentos, mercados e estratégias; simplificar as regras para incentivar a inovação. Em sua essência, a mensagem é aquela que os europeus já ouviram antes: Para que a Europa prospere, ela deve agir como Europa. Na medida do possível, Washington deve ajudá-la a ter sucesso.
https://www.estadao.com.br/economia/como-impedir-o-declinio-da-europa