Comida 2.0? Avanço só do Vale do Silício?

Carne é carne. Era. Não é mais. Cerca de 50 cientistas, chefs de cozinha, agricultores e engenheiros fazem parte da Impossible Foods: processo para transformar plantas em carne. Da mesma forma que a vaca faz. Com um diferença: sem a vaca.

O repórter do Financial Times descreve: o hambúrguer era preparado à minha frente e faz o mesmo chiado de carne na chapa. Tem cor de carne e cheiro de carne. O gosto com certeza é igual. Se não tivesse acabado de falar com as pessoas que criaram este hambúrguer e visto o laboratório onde foi feito, teria certeza de que era realmente carne – um pouco granulada talvez, e menos mastigável, mas exatamente com o mesmo gosto que um hambúrguer deveria ter, como mostrou a material de Tim Bradshaw, traduzida pelo Valor Econômico, edição de 4/11, pg A 14.

A carne, no entanto, não veio de nenhum gado: é feita apenas de vegetais, em Redwood City, no Vale do Silício. Se soa impossível, conheça a Impossible Foods, mais uma entre as várias companhias novatas da região que pretendem mudar a forma como a comida é produzida e consumida. “Não estamos tentando criar uma carne alternativa”, afirma Pat Brown, fundador e CEO da empresa. “Estamos fazendo carne de uma maneira melhor”.

Isso envolve transformar uma “biomassa barata e abundante” em carne da mesma forma que a vaca faz – só que sem a vaca. “Temos de ocupar a lacuna hoje ocupada pelos animais”, diz Brown, de 60 anos, ex-professor de bioquímica da Stanford University.

A Impossible Foods tem sede em um dos muitos conjuntos de edifícios de poucos andares do Vale do Silício. Um quadro de aviso na área de trabalho mostra mensagens do tipo “Viva seu sonho, não fique sonhando sua vida” e “Sempre parece impossível, até que alguém o faça”. Uma estante com aventais de laboratório é única pista sobre a imensa cozinha e os laboratórios que estão nos andares de baixo.

“Hoje, temos um processo que transforma as plantas em carne e ovos, que se dá dentro de um animal e nos matadouros”, diz Brown, cujo cabelo grisalho parece não combinar com seus jeans e camiseta com o logotipo da empresa, o uniforme dos empreendedores de internet de vinte e poucos anos.

O método de Brown para “piratear” a carne é diferente dos de Josh Tetrick, fundador da Hampton Creek, ou Robert Rhinehart, cofundador da Soylent. Da mesma forma que eles, no entanto, Brown também compartilha da crença de que a forma como a comida chega hoje a nossos pratos é puro desperdício, traz danos ao planeta e ofende seus residentes, tanto os de quatro pernas como os de duas.

Enquanto a Impossible Foods quer substituir o papel das vacas, a Hampton Creek volta-se para os ovos produzidos pelas milhões de galinhas de granja. A maionese, bolachas e outros ingredientes comuns feitos sem ovos pela empresa levam em seu lugar uma variedade particular (altamente confidencial) de uma ervilha amarela canadense. Já a Soylent quer substituir a refeição inteira por uma bebida bege grudenta que fornece todos os nutrientes sem o incômodo de produzir, preparar e, pois bem, comer. “A comida é um hobby muito dispendioso”, diz Rhinehart. “Há um prazer e uma liberdade superiores quando se come a partir de seus próprios termos”.

Sob muitos aspectos, tudo isso é uma receita clássica do Vale do Silício. Pegue um empreendedor cheio de determinação e sem medo de “pensar diferente”. Adicione um novo ingrediente – o “big data”, por exemplo. Misture com um mercado que já vale dezenas de bilhões. Salpique alguns milhões em financiamento de capital de risco. Leve ao fogo até ferver. “O setor de alimentos é um dos maiores mercados potenciais do mundo”, diz Howard Hartenbaum, investidor de capital de risco da August Capital. “Todo mundo come. Se funcionar, o mercado é imenso”.

Talvez fosse inevitável que os alimentos virassem o próximo foco do Vale do Silício. Investidores injetaram US$ 75 milhões só na Impossible Foods e mais dezenas de milhões de dólares em outras startups, como a Beyond Meat, que produz proteínas vegetais, e a Modern Meadow, que usa o cultivo de células musculares para criar “biomateriais originais”.

Os hambúrgueres da Impossible Foods custam US$ 5 a unidade, um preço de supermercado de alto padrão. Mas à medida que ganhe escala, Brown acredita que o produto poderá ter preço igual ou inferior ao comum em dois anos.

De todas as empresas em busca desse objetivo, a Hampton Creek é a mais conhecida e, aos olhos dos investidores pelo menos, a mais adiantada. Sustentada por US$ 30 milhões em financiamento de nomes como Bill Gates, o bilionário Li Ka-shing, de Hong Kong, e a Founders Fund, a empresa conseguiu acordos de distribuição da Just Mayo, sua primeira maionese sem ovos, com as redes Walmart, Safeway, Target e Costco nos EUA.

Usar proteínas a base de vegetais em vez de carne ou outros ingredientes não é uma ideia muito nova. Mas Tetrick diz que a Hampton Creek pode obter melhores resultados graças a sua base de dados de milhares de plantas. Um algoritmo patenteado – o ingrediente mágico de muitas empresas novatas do Vale do Silício – modela as prováveis propriedades das diferentes espécies, como viscosidade e facilidade de emulsão, para delimitar os cultivos que terão mais probabilidade de sucesso.

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