Com taxas, EUA força debate de outras agendas

As medidas para sobretaxar importações estão sendo usadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, como forma de induzir os demais países a discutir outras agendas, não exatamente comerciais, em um “bullying tarifário”. Mesmo que as tarifas não sejam tão pesadas quanto anunciadas inicialmente, as medidas podem provocar deslocamento de exportações e também desacelerar o comércio internacional, com pressão sobre preços e câmbio, apontam especialistas ouvidos pelo Valor. É cedo, porém, para saber a magnitude dos efeitos.

No sábado, Trump anunciou tarifa de 25% em produtos importados do México e do Canadá, além de 10% adicionais em produtos chineses. Ontem, o México e o Canadá informaram que medidas contra os países ficarão suspensas por um mês, após acordos bilaterais na área de segurança.

Para Livio Ribeiro, sócio da BRCG e pesquisador do FGV Ibre, as medidas tarifárias de Trump misturam objetivos econômicos e geopolíticos. As tarifas estão sendo usadas, diz, como instrumento de pressão. “Trata-se de ‘bullying tarifário’ direcionado àqueles que não têm tamanho suficiente para fazer frente aos EUA em qualquer dos vetores nas áreas geopolíticas. Isso provavelmente não será feito com Rússia ou com China.”

Talvez o caso mexicano seja mais óbvio, diz Ribeiro, mas houve “coisa parecida” com a Colômbia. Trump também havia ordenado, na semana passada, tarifa de 25% na importação americana de produtos colombianos, dentre outras sanções, após o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, se recusar a receber voos com imigrantes deportados pelos Estados Unidos.

Luís Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners, lembra que Canadá e o México integram o USMCA (Acordo Estados Unidos-México-Canadá) que substituiu o antigo Nafta na primeira gestão de Trump e passará por revisão em 2026. Uma possibilidade que pode estar por trás das medidas de Trump, diz Leal, é antecipar uma discussão sobre o USMCA em condições mais favoráveis aos EUA.

Supondo que as tarifas anunciadas por Trump no sábado fossem totalmente implementadas no trimestre atual e permaneçam em vigor sem exceções adicionais e que haja retaliação proporcional de Canadá, China e México, a inflação ao consumidor americano deve ser 0,5 ponto percentual (p.p.) maior em 2025, estima a Moody’s Analytics. O crescimento dos EUA também diminuiria, com o PIB real 0,6 p.p. menor daqui a um ano, ao custo de 250 mil empregos. As economias canadense e mexicana, por sua vez, dificilmente evitariam recessão, diz a equipe da Moody’s. As exportações do Canadá para os EUA representam quase um quinto do seu PIB, apontam. Para o México, a proporção é de quase um terço do PIB.

Ainda que Trump volte atrás na magnitude das tarifas anunciadas, diz Leal, a “volatilidade das notícias” pode se tornar frequente e prejudicar o comércio global. “Os Estados Unidos serão vistos com desconfiança, o que poderá fazer com que os parceiros comerciais tentem buscar alternativas”, diz.

Carla Argenta, economista-chefe da CM Capital, diz que, mantido tudo o mais constante, as tarifas poderiam gerar um movimento desinflacionário no Brasil. Isso porque a imposição de tarifas para alguns países venderem aos EUA poderia fazer com que esses produtos buscassem alocação em outras praças (como o Brasil), com preços mais baixos. “Mas a conjuntura da economia brasileira e da global fazem com que esse potencial deflacionário seja muito reduzido, ao mesmo tempo em que os efeitos de reprecificação no mercado financeiro e a dinâmica que essa taxação gera sobre a inflação global tendem a pressionar as políticas monetárias ao redor do mundo, promovendo um aumento do dólar e gerando ônus para o Brasil”, afirma Argenta.

Os preços industriais no Brasil tendem a ser os primeiros a sentir os impactos das tarifas, ainda que indiretas, diz Homero Guizzo, economista da Terra Investimentos. As tarifas funcionam, segundo Guizzo, como um choque desfavorável de oferta, que resultam em menor produção e maio preço. “Os preços industriais no Brasil estão ligados aos preços de bens duráveis no resto do mundo. Não sabemos precisar, ainda, o ‘timing’ desse repasse, mas também não demoraria muito”, “, diz.

As medidas tarifárias de Trump podem resultar em deslocamento de exportações, diz Rodrigo Zeidan, professor da Fundação Dom Cabral e da NYU Shanghai. Caso tarifas pesadas sejam impostas contra México e Canadá, diz ele, o comércio com os Estados Unidos deve ser deslocado. “Podemos esperar explosão de exportações de Honduras aos EUA, com México mandando produtos pra lá e de lá aos EUA. Ainda assim, vai destruir comércio global, reduzindo a eficiência da economia mundial.”

As medidas de Trump dão início a um “jogo de perde-perde”, diz José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). “A repercussão será para todos. Aparentemente não há como escapar de uma desaceleração global, só não se sabe ainda a magnitude”, diz.

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2025/02/04/com-taxas-trump-forca-debate-de-outras-agendas.ghtml

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