China busca o caminho da recuperação

Depois de dois meses mergulhada no pesadelo do coronavírus, a China tenta retomar a sua rotina. A atividade econômica vem se recuperando à medida que o país relaxa gradualmente a quarentena que afetou a vida de 780 milhões de pessoas em todo o país. Mas os temores de um novo surto da covid-19 e a retração da economia global em virtude da pandemia podem atrasar essa recuperação. 

Epicentro original da pandemia, a China serviu de modelo para as medidas de confinamento cada vez mais adotadas em todo o mundo. Portanto, sua tentativa de reviver a economia é acompanhada de perto por autoridades da Europa e dos Estados Unidos, que buscam pistas de como reverter rapidamente a brusca paralisação econômica que está destruindo empregos e empresas. 

Com o número de novas infecções diminuindo, as fábricas estão reiniciando a produção, as lojas estão reabrindo e as pessoas começam a se aventurar ao ar livre. É esse cenário que países do Ocidente esperam chegar dentro de semanas ou poucos meses. 

“Até a semana passada, apenas as Províncias de Pequim, Tianjin, Hebei e Hubei, responsáveis por 14% do PIB, mantinham alto nível de restrições à população”, afirma Tommy Wu, economista para a Ásia da consultoria Oxford Economics. “As outras 27 Províncias da China, responsáveis por 86% do PIB, diminuíram consideravelmente as medidas restritivas.”

Hubei, nona Província mais populosa da China, começou a relaxar a quarentena na terça-feira, mas a cidade de Wuhan, epicentro da pandemia, só começa o processo de reabertura em 8 de abril. 

Wu, que prevê crescimento de 1% para a China em 2020, estima que mais de 70% do país tenham retomado a atividade, sendo que no setor de serviço essa taxa está em 60%, e, no manufatureiro, em mais de 80%. Li Zhong, vice-ministro de Previdência Social da China, disse que 100 milhões de trabalhadores migrantes, que respondem por 80% dos que retornaram para casa no feriado do Ano Novo Lunar, no fim de janeiro, voltaram a trabalhar em meados de março – ante um terço que o haviam feito no fim de fevereiro. 

No ritmo atual, a tendência é que o choque extremo causado por quarentenas obrigatórias na economia chinesa termine de vez em meados de abril, segundo Mark Williams, economista da consultoria Capital Economics. 

“Dado que trabalhadores migrantes ainda não retornaram de suas cidades, a atividade tende a voltar ao normal três meses depois do Ano Novo Lunar, o que costuma acontecer três semanas depois do feriado, quando todos voltam ao trabalho na China”, diz Williams, ao sugerir que os outros países devem se preparar para um longo processo de recuperação. 

Arthur Kroeber, economista americano baseado em Pequim, da consultoria Dragonomics, disse que Europa e EUA demoraram mais do que a China para impor medidas de confinamento social, o que pode resultar em custos econômicos mais altos do que no epicentro do coronavírus. 

Em videoconferência na quarta-feira, Kroeber disse que a China teve “sorte” em poder começar a quarentena em uma época em que a produção normalmente fica parada por causa do Ano Novo Lunar. Isso afetou a atividade econômica menos do que poderia, se a epidemia houvesse começado antes do feriado. “Os EUA demoraram para fazer isso, e pode ser que os custos sejam mais altos”, afirmou. 

Até certo ponto, portanto, a China pode servir de espelho para esses países. Uma série de indicadores tem mostrado expansão, mas o nível de atividade ainda está entre 20% e 60% da média de 2019. Em relatório, a Capital Economics ressalta que o congestionamento nas principais cidades aumentou de 30% do nível de 2019 para 65% nas últimas quatro semanas, enquanto o número de pessoas que utilizam o metrô nas grandes cidades aumentou de 10% para 40% da média do ano passado. 

Nesse ritmo, o consumo de carvão nas usinas de energia (um indicativo da atividade da indústria de base), o consumo de eletricidade nos parques industriais, congestionamentos, número de passageiros do metrô e vendas de imóveis retornarão ao patamar de 2019 em meados de abril. 

Depois da queda dramática da atividade no mês passado na China – o índice de gerentes de compras (PMI) do setor manufatureiro caiu de 50 para 35,7 pontos em 

fevereiro, e o do setor de serviços, de 54,1 para 29,6 -, a expectativa é que março tenha trazido indicadores melhores. 

“Esperamos uma recuperação sólida da atividade em março e no segundo trimestre”, afirma Ling Wang, do banco JPMorgan. “No geral, os dados de janeiro a fevereiro foram muito mais fracos que o esperado, o que nos leva a prever uma contração de 10% do PIB do primeiro trimestre, na comparação anual.” Para o ano, o JPMorgan espera crescimento de 2% do PIB da China. 

Os próximos PMIs, que serão divulgados na noite de hoje, devem apontar recuperação. O PMI manufatureiro oficial de março deve subir de 35,7 para 40,6, segundo estimativa da Capital Economics. Já o PMI de serviços oficial deve ir de 29,6 para 40. Leituras acima de 50 indicam expansão. Abaixo, contração. 

No sábado, a China passou a restringir a entrada de estrangeiros devido ao aumento de casos importados e temor de que um novo surto atrase a recuperação da economia. Segundo autoridades, são ao menos 565 casos de coronavírus importados, de estrangeiros e cidadãos chineses que estavam foram do país. 

Mas o cenário de recuperação gradual dentro da China contrasta com o ambiente externo de retração. Muitos fabricantes estão preocupados porque veem a demanda por seus produtos desaparecer. 

Bryant Zhang, dono da fabricante de lâmpadas LED Ennoplus Technology, estava animado em reabrir sua fábrica em Shenzhen, após receber permissão do governo no mês passado. “Voltamos ao normal e muito confiantes”, disse ao “Wall Street Journal”. Mas agora ele está preocupado. Encomendas estão sendo canceladas e não há novos pedidos dos EUA e da Europa, o que o levou a cortar 30% do total de funcionários. 

Desde a semana retrasada, a empresa Shandong Pangu Industrial, na cidade de Leling, que produz ferramentas, vem recebendo cancelamentos de encomendas. Grace Gao disse que 60% da produção tem como destino a Europa e prevê que as vendas de abril a maio cairão 40% em relação ao mesmo período de 2019. “Antes eram os clientes que nos procuravam para saber se tínhamos como entregar a mercadoria que compraram. Agora nós é quem estamos atrás deles para saber se ainda querem o que pediram”, contou à Bloomberg. 

Após o choque de oferta como resultado do coronavírus na China, o choque de demanda dos principais países consumidores será um freio à recuperação da economia chinesa. Em 2019 a China exportou US$ 2,43 trilhões em bens e serviços, o que respondeu por 17,4% de seu PIB. Mas seus quatro principais mercados – União Europeia, EUA, Sudeste Asiático e Japão – ainda lutam para conter a o vírus e estão confinados ou entrando em confinamento. 

https://valor.globo.com/empresas/noticia/2020/03/30/china-busca-o-caminho-da-recuperacao.ghtml

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