O governo da China aumentou a presença policial nas ruas das principais cidades do país e aumentou o nível de vigilância a dissidência após os protestos contra a política de tolerância zero contra a covid-19 neste fim de semana se tornarem a maior demonstração de insatisfação popular com o regime comunista em décadas. Forças de segurança montaram uma barricada na rua Urumqi, onde manifestantes se reuniram no sábado e no domingo em Xangai, e palavras-chave relacionadas a alguns atos foram censuradas nas redes sociais chinesas.
Milhares de pessoas se reuniram em algumas das mais importantes cidades chinesas, como Pequim, Xangai e Chengdu durante o fim de semana para protestar contra a política “covid zero” patrocinada pelo governo central, que impõe uma série de medidas restritivas rigorosas aos cidadãos chineses a quase três anos. Os atos foram convocados em meio à indignação pela morte de dez pessoas, incluindo três crianças, em um incêndio em um prédio que estava em lockdown na província de Xinjiang. Moradores da província protestaram na sexta-feira, 25, culpando os bloqueios pela demora na chegada dos bombeiros. Autoridades governamentais negaram a relação entre os fatos.
A maioria das manifestações ocorreu de forma pacífica, embora confrontos entre ativistas e agentes de segurança tenham sido registrados tanto nas ruas quanto em campus de universidades que aderiram aos protestos. O número de feridos e de pessoas presas ou temporariamente detidas, no entanto, não é conhecido, uma vez que o governo chinês vem exercendo um forte controle da informação sobre os atos pelo país.
Um dos casos confirmados foi o do jornalista da rede britânica BBC, Ed Lawrence, detido por policiais enquanto filmava um protesto em Xangai no domingo. De acordo com a emissora britânica, Lawrence foi algemado e agredido enquanto estava detido, e a única explicação oferecida por representantes do governo chinês ― os agentes que o liberaram ― seria que ele foi retirado da multidão para não se contaminar com covid-19.
Embora tenham sido convocados na esteira da comoção pelas mortes em Xinjiang e pelo esgotamento da tolerância com a política “covid zero”, os protestos ultrapassaram o escopo original e se tornaram uma contestação do governo estabelecido de Pequim. Gritos de “Xi Jinping, renúncia!” e “PCC (Partido Comunista Chinês) renúncia” foram relatados pela imprensa internacional.
Em Pequim e Xangai, onde os manifestantes realizaram vigílias e acenderam velas pelos mortos no incêndio em Urumqi, muitos dos presentes carregavam folhas de papel em branco, acrescentando ao ato um questionamento político contra a censura à imprensa no país.
Manifestações abertas contra o governo são extremamente raras na China, onde as autoridades agem rapidamente para acabar com todas as formas de dissidência. As autoridades estão especialmente cautelosas com os protestos nas universidades, berço das manifestações pró-democracia em 1989 que se espalharam por todo o país e terminaram em uma sangrenta repressão e massacre ao redor da Praça Tiananmen, em Pequim.
Em Xangai, duas pessoas foram detidas perto da rua Urumqi, local onde os manifestantes se reuniram no fim de semana, nesta segunda-feira, 28. Uma delas “desobedeceu as ordens da polícia”, afirmou um agente. As equipes das forças de segurança também dispersaram as pessoas no local e obrigaram os manifestantes a apagar as fotografias em seus smartphones, segundo um correspondente da agência France-Presse.
Além do aumento da presença ostensiva da polícia pelas ruas, a repressão do governo também se intensificou no campo virtual. Informações sobre atos específicos foram eliminados de todas as redes sociais chinesas, extremamente controladas por Pequim.
Exemplo disso é que buscas por “rio Liangma” e “rua Urumqi” não apresentavam nenhum resultado relacionado com a mobilização nesta segunda-feira na rede social Weibo, uma das mais populares no país. Enquanto a rua foi o centro de protestos em Xangai, o rio Liangma é o local onde mais de 400 jovens protestaram no domingo.
O aumento da repressão foi acompanhado por um breve afrouxamento das regras anti-covid no país, embora o governo chinês tenha deixado claro que não vai revisar a estratégia de maneira geral.
As autoridades não comentaram diretamente sobre os protestos ou sobre os pedidos de renúncia de Xi Jinping, mas algumas medidas foram anunciadas. Em Pequim, ficou proibida a instalação de portões para bloquear o acesso a complexos de apartamentos residenciais onde forem encontrados casos de covid-19
Em Guangzhou, metrópole manufatureira e comercial do sul, o maior ponto crítico na última onda de infecções da China, anunciou que alguns residentes não precisarão mais passar por testes em periódicos.
Em Urumqi, onde ocorreu o incêndio mortal que foi a fagulha para os protestos, e outra cidade na região de Xinjiang, mercados e outros estabelecimentos em áreas consideradas de baixo risco de infecção vão reabrir nesta semana, e o serviço de ônibus público deve ser retomado