Carisma de Walz dá vigor à campanha de Kamala 

 A história sugere que as definições de companheiros de chapa geram muito barulho e fúria, que raramente significam muita coisa. A escolha de Tim Walz por Kamala Harris não é de modo algum trivial. Mas será um choque se ele transformar a dinâmica de uma eleição acirrada.

O risco disso ainda pertence a JD Vance, o número dois de Donald Trump, que quebrou recordes ao mergulhar mais fundo em avaliações negativas desde sua nomeação. O governador de Minnesota, agora o candidato a vice-presidente dos democratas, oferece um antídoto alegre às reflexões distópicas de Vance. Walz é precisamente o tipo popular com quem as pessoas conseguem se imaginar tomando uma cerveja. 

Mesmo assim, sua escolha nos diz muito sobre o pensamento de Kamala – e o equilíbrio de identidade que a política democrata exige.

Assim como Joe Biden sinalizou em 2020 que estava em busca e uma mulher negra para equilibrar sua demografia, Kamala não fez segredo de que sua lista era formada por homens brancos. 

É por isso que Gretchen Whitmer, a governadora democrata de Michigan, imediatamente se descartou. O fato de Pete Buttigieg ser gay também pode ter pesado contra ele – além do fato de que sua posição no governo como secretário dos Transportes tornaria mais difícil para Kamala se distanciar de Biden. Pedir aos americanos que votem em uma mulher negra e um homem gay seria desafiar a sorte. 

O maior perdedor foi o governador da Pensilvânia, Josh Shapiro. Os fãs de Shapiro dizem que Kamala está colocando em risco suas chances de derrotar Trump na Pensilvânia, um Estado em que ela precisa vencer para chegar à Casa Branca. Mas há poucas evidências que sustentem isso. A última vez que um companheiro de chapa fez diferença em um Estado foi quando John F. Kennedy escolheu Lyndon Johnson em 1960 – antes de Kamala e Walz nascerem. O Texas foi com os democratas naquele ano. 

Desde então, as escolhas deram pouca atenção ao estado do companheiro de chapa. A escolhida de 2020, a própria Kamala, era da esquerdista Califórnia. Em 2008, Biden era do democrata Delaware. Vance é do seguramente republicano Ohio. E Shapiro ainda continua em uma posição forte como governador para ajudar Kamala a vencer em seu Estado. 

Então, qual é o apelo de Walz? A resposta simples é sua origem operária. Os republicanos tentarão pintá-lo como um esquerdista clássico que quer regular a vida das pessoas. Você só precisa ouvir Walz falar por um minuto para entender o quão difícil isso será. Seus modos são tão distantes da elite costeira de Berkeley-Boston quanto um progressista pode ser.

A criação de Walz foi de classe trabalhadora. Ele só entrou na política aos 42 anos, tendo passado duas décadas como membro da guarda nacional e professor de geografia no ensino médio. Desde então, ele foi eleito seis vezes para o Congresso e duas como governador. Walz é tão feliz consertando o motor de um carro, sendo técnico de futebol americano ou participando de feiras agrícolas quanto Vance é ao aparecer em podcasts da direita radical e escrever suas postagens em blog. Walz também gosta de caçar. 

Não é por acaso que foi Walz quem, há dez dias, rotulou Trump e Vance como “esquisitos” – um termo que se espalhou rapidamente. “Esses caras são simplesmente esquisitos”, disse Walz. “Eles estão se candidatando para o clube dos homens que odeiam mulheres ou algo assim”. Walz estava se referindo às declarações agora infames de Vance sobre as “mulheres sem filhos e com gatos”. Ele também estava explorando o medo das mulheres em relação ao caso de Trump com a direita nacionalista cristã – um grupo ao qual Vance pertence. 

Mas Walz poderia facilmente estar se referindo a Bobby Kennedy Jr, filho do irmão do falecido presidente, que esta semana confessou que uma vez depositou um filhote de urso morto que ele encontrou na beira de uma estrada no Central Park de Nova York. Se isso não é um comportamento estranho, é difícil saber o que seria. RFK Jr ainda poderia dividir os votos como candidato de um terceiro partido em alguns estados. Walz também seria seu adversário ideal. Como um democrata operário do Centro-Oeste, Walz pode rebater a alegação de RFK de que o partido é um veículo das elites urbanas. Seu estilo pé no chão também atenuaria a acusação quase idêntica de Vance. 

Não há dúvida de que Walz é bem mais à esquerda em economia do que, digamos, Shapiro ou Buttigieg. Como governador de Minnesota, ele forneceu refeições gratuitas para todas as crianças das escolas públicas do estado, melhorou as licenças remuneradas e médicas para os trabalhadores e aumentou o salário mínimo. Mas essas são posições populares em todo o espectro. Elas também se alinham com os instintos econômicos de Kamala na medida em que sabemos algo sobre eles. 

Ainda assim, Minnesota continua sendo um dos Estados mais favoráveis aos negócios dos EUA. Walz também foi classificado como o sétimo parlamentar mais bipartidário quando estava no Congresso. Será difícil retratá-lo como um radical ao estilo Bernie Sanders. 

Os republicanos provavelmente encontrarão material mais forte na resposta de Walz ao assassinato pela polícia de George Floyd em junho de 2020 – uma asfixia que ocorreu no Estado de Walz. Como governador, ele tentou forçar uma reforma na polícia que se aproximava do mantra “cortar recursos da polícia”, que tanto prejudicou a reputação do seu partido. A tentativa fracassou. Ele também foi lento na resposta aos tumultos em Mineápolis. 

Ele admitiu que a forma como a cidade lidou com o problema foi um “fracasso abjeto”. Como Walz já assumiu sua parte da culpa, ele provavelmente limitou os danos. 

Seja como for, os EUA agora têm duas chapas presidenciais completas. É justo dizer que um dos dois companheiros de chapa não é esquisito. Ao escolher Walz, Kamala Harris cumpriu seu juramento hipocrático: não causar o mal. (Financial Times) 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2024/08/07/ftanlise-carisma-e-disposio-de-walz-em-atacar-rivais-do-mais-vigor-campanha-de-kamala.ghtml

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