Um clima de disputa esportiva entre independentistas e unionistas ronda o plebiscito de hoje na Catalunha. Na região, o radicalismo se espalhou. Há pichações pelas ruas e cartas de ameaças a prefeitos que decidiram não abrir escolas e prédios públicos para a votação, considerada ilegal pela Justiça. Em meio à polarização, poucas vozes se levantam para pregar o diálogo e novas negociações entre Barcelona e Madri.
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Nas aparências, a rivalidade é invisível. Isso porque apenas um dos lados, o do independentismo, fez campanha. Em todo o território, bandeiras da Catalunha e faixas por democracia ornam sacadas e janelas e expõem a preferência de seus moradores pela independência, como mostrou matéria de Andrei Netto para o Estadão de o1/10.
Os unionistas não só não fizeram campanha, como se tornaram invisíveis. Poucos assumem em público suas preferências. A maioria não aceita informar o nome completo a jornalistas, tampouco se deixa fotografar. A razão do temor de quem reprova a independência é a quase inevitável associação com o franquismo, a doutrina do ditador Francisco Franco.
Nos últimos dez dias de campanha, quando a disputa se acirrou em razão da determinação do governo de Mariano Rajoy de impedir a votação, a animosidade também cresceu. Na periferia industrial, como L’Hospitalet, cidade-dormitório de Barcelona, habitada por ex-operários e assalariados, a causa independentista é associada ao desejo da elite barcelonesa – quase um luxo de ricos sem outros motivos para se preocupar. Formada por espanhóis vindos da Andaluzia e da Estremadura, nos anos 50 e 60, a cidade é hoje uma das escolhidas como lar por imigrantes sul-americanos, marroquinos e paquistaneses.
Para esse público de perfil assalariado de baixa renda ou de desempregados, falar em independência é bobagem. “A maioria de nós vem do sul da Espanha ou de outros países. A maioria aqui não é de Barcelona, mas multinacional, e não têm interesse em independência”, explica o cigano Antonio Mansano, de 40 anos, desempregado há 11 anos e partidário do “não” à secessão. “Não queremos ser racistas, mas tudo o que queremos é uma Espanha para os espanhóis.”
L’Hospitalet também exemplifica o choque geracional em torno do plebiscito. Em periferias ou no interior, pessoas mais velhas que vêm de outros pontos da Espanha são em sua maioria contrários à independência. Mas as novas gerações, filhos e netos dos espanhóis que se instalaram na Catalunha, são favoráveis.
“Esse governo tenta nos cassar a liberdade de expressão. Sou espanhol, nascido na Catalunha e tenho a ‘dupla nacionalidade’. Mas me sinto catalão”, diz Jordí Francas, estudante de 17 anos. “No domingo, irei à porta da escola para fazer campanha. Se a polícia me interpelar, pouco importa.”
Em parte, o nacionalismo catalão se explica por um fator simples: depois de décadas proibida pelo regime de Franco, a língua catalã hoje é hegemônica nas escolas da maior parte das cidades do interior. De cada 12 disciplinas de ensino fundamental ou médio, 10 são ministradas em catalão, e apenas duas em espanhol ou inglês.
Some-se a isso a insatisfação dos estudantes com as medidas de Rajoy para impedir o plebiscito e o coquetel de radicalismo está pronto. “Eu me tornei independentista há seis meses. Não acredito mais na Espanha”, explica Jordi Lopez, de 16 anos, também estudante.